Desporto
Pandemia põe em pausa o futebol de formação
A 28 de março, a Associação de Futebol do Porto, em concordância com as recomendações da Direção Geral de Saúde e do governo e com as medidas aplicadas pela Federação Portuguesa de Futebol, anunciou em comunicado a conclusão das “competições de todos os escalões jovens de formação de futebol e futsal, masculinas e femininas”.
A associação que tutela o futebol distrital no Porto apresentou também a seguinte solução para a organização das competições na próxima época desportiva: os campeonatos foram alargados e as equipas nos lugares cimeiros subiram de divisão, sem que houvesse descidas por parte dos últimos classificados, solução que visava não prejudicar os clubes a nível desportivo.
A suspensão da atividade do setor, apesar de necessária, teve, como seria de esperar, impacto ao nível do estado físico e anímico dos jovens atletas, mas também na vida dos trabalhadores do setor e dos clubes, que enfrentam assim as dificuldades de se manterem sustentáveis e subsistir.
Alternativas aos treinos e jogos
A prática desportiva é imprescindível para o desenvolvimento físico do praticante, assim como para a formação do carácter. É, como tal, importante que haja alternativas para que a atividade seja possível. Rui Pacheco, presidente e coordenador técnico-pedagógico da Associação Juvenil Escola de Futebol Hernâni Gonçalves, que tem cerca de 700 alunos entre os 3 e 19 anos, refere que a instituição tem vários planos de promoção de atividade física aplicados consoante a faixa etária do atleta. Vídeos, na maioria gravados pelos professores, são enviados para os alunos e colocados na página da rede social Facebook, com os alunos a enviarem depois os vídeos a realizarem os exercícios solicitados, de modo a que possam receber feedback por parte dos professores.
No que diz respeito às equipas de competição, os jogadores são acompanhados pelos treinadores através de videochamada, onde, para além de trabalho físico, são também efetuados alguns exercícios de relação com bola. Dinis Sousa, atleta sub-19 do clube Maia Lidador, assume que a paragem no futebol afetou bastante em termos físicos, devido à sua prática diária de exercício, na faculdade e nos treinos, algo que era desgastante, e, por vezes, muito difícil conciliar.
No Sport Comércio e Salgueiros, José Pedro Delgado, treinador principal da equipa sub-11 e treinador adjunto nas equipas sub-12 e sub-14, utiliza o Whatsapp como forma de continuar a trabalhar com os seus atletas. Apesar das circunstâncias, o treinador não tem sentido desmotivação na generalidade dos jogadores das suas equipas. “Todos os jogadores têm estado a trabalhar, mais até do que é pedido. Pede-se para fazerem exercícios básicos e eles treinam o dia todo”, referiu José Pedro.
Rui Costa, jogador da equipa de sub-19 do Rio Ave Futebol Clube, reconhece que a falta da prática desportiva o afeta, uma vez que está habituado a uma atividade física intensa. Porém, também consegue retirar de positivo o facto de poder passar mais tempo com a família, visto que os treinos lhe retiravam muito do seu tempo livre.
A situação financeira dos clubes e trabalhadores
Tal como aconteceu na generalidade dos setores, o futebol também sofreu financeiramente com a suspensão das atividades. A necessidade de apoio por parte dos clubes fez com que a Associação de Futebol do Porto (AF Porto) destinasse uma verba de 200 mil euros para esse efeito.
Rui Pacheco explicou as implicações financeiras que o vírus trouxe à Escola de Futebol Hernâni Gonçalves. “Dissemos aos pais que não era obrigatório, nesta altura, pagar as suas quotizações, porque não estamos a prestar nenhum serviço. No entanto, deixamos à consideração dos pais ajudarem ou não, se puderem. Nós tivemos uma queda nas quotizações de cerca de 75%, o que é um pouco elevado. Como tivemos de pagar as remunerações aos treinadores e pessoas que trabalham connosco, isso tem-nos colocado algum défice mensal”, assume o professor.
O professor acrescenta que receberam um pequeno apoio da Associação de Futebol do Porto e que contam também com uma ajuda da Câmara Municipal do Porto. Contudo, não é suficiente para cobrir as despesas geradas.
O treinador José Pedro Delgado acumula, para além dos cargos de treinador, a função de olheiro, com o papel de observar jogadores e construir equipas competitivas. Esta função permite-lhe continuar a trabalhar, porém, não esconde a realidade de existirem outros treinadores que estão sem receber e realça o facto de os trabalhadores deste ramo necessitarem, na sua maioria, de outro trabalho paralelo para se sustentarem.
Conclusão das competições
Com a impossibilidade de retomar, em tempo útil, as competições, Rui Costa viu com tristeza o cancelamento do Campeonato Nacional de Juniores, numa fase em que o Benfica liderava a fase de apuramento do campeão de juniores, após quatro das 14 jornadas, com 12 pontos, mais três do que o Rio Ave. “Sinto-me um bocado frustrado, depois de tanto trabalho sermos assim interrompidos a 3 pontos do Benfica e em segundo lugar com uma volta por acabar onde podíamos lutar pelo título e terminar em primeiro lugar”, afirmou o atleta do Rio Ave.
Dinis Sousa atuava na primeira divisão distrital da AF Porto e vê com um sentimento agridoce a conclusão do seu percurso como jogador de camadas jovens, dado que se encontra no último ano de juniores. Por um lado, sente um alívio pela permanência do Maia na primeira divisão – visto que ocupava os lugares da zona de despromoção -, por outro lado, sente tristeza pela “época ter acabado assim, uma época por água abaixo, com muito trabalho e sacrifício” e receia o que pode vir a acontecer na transição para o escalão sénior. Dinis ainda não sabe do seu futuro desportivo e está à espera de receber proposta dos seniores do Maia Lidador, no entanto, não está preocupado em “ir treinar a outros clubes”, se tiver a possibilidade de ficar nos seniores.
José Pedro Delgado, treinador principal da equipa sub-11 e treinador adjunto nas equipas sub-12 e sub-14 do Salgueiros, viu a sua equipa ser campeã da série em que estava inserida, por atribuição da AF Porto, apesar de ainda faltar uma volta por disputar. Para as equipas de competição da Escola de Futebol Hernâni Gonçalves, a solução encontrada não trouxe razões de queixa. No escalão de sub-13, a equipa subiu de divisão, enquanto no escalão de sub-17 a equipa estava numa situação difícil na luta pela permanência na primeira divisão, mas evitou a descida.
Quanto à preparação da nova época, Rui Pacheco afirma que a Escola de Futebol Hernâni Gonçalves está a tratar da alocação de treinadores e diretores para as equipas de competição e reuniu por videoconferência com os pais dos atletas, de forma a convidar os filhos a permanecer no clube durante o novo ano desportivo.
Os tempos em que vivemos representam dificuldades para o setor do futebol e, como tal, é necessária uma capacidade de adaptação por parte de todos os seus agentes para subsistir. Porém, o futebol é singular na forma como acarreta paixões e deve servir-se do carinho que tanta gente nutre pela modalidade para regressar em força, sempre com as devidas precauções.