Mundo Novo
Fénice
Paralisamos, a estrutura do sentimento desabou, perdemos os alicerces do estar e ser,
porque não somos e não estamos sem os outros – o social, para o bem e para o mal,
define a civilização… Desocupamo-nos de pessoas, enchemo-nos de coisas, deixamos a
gasolina, apostamos no suor, renovamos subscrições, esquecemos a conta bancária,
abandonamos o despertador, agarramos a almofada, ceamos às 22 horas, ceamos à
meia noite, ceamos às 4 da manhã. Pesamo-nos… Tentamos uma aula de body combat,
quase morremos… Ufa, tudo correu bem, vai tudo correr bem, para uns quantos, para
alguns, para quem conhecemos, para quem ficamos a conhecer. Preocupamo-nos,
desleixamo-nos, repeat!
Evitamos estar envolvidos, too late, somos humanos, queríamos ser um cão, queríamos
ser um gato, não seriamos humanos… É lidar irmão, é valorizar a memória, é confinar a
alma, é ao mesmo tempo expandi-la, metamorfoseá-la… Eia, não sabemos, não
sabemos, não sabemos, wow, inacreditável, inconcebível. Sim, aconteceu, sim, continua,
sim, a cerveja Corona é segura.
O dia tem 24 horas, o teletrabalho tem mais.
YO! Dá-me cá mais cinco com o cotovelo… distancia-te, mas não desapareças, ok?
Microsoft Teams vs. Zoom.
Sabão sabão sabão sabãobombom.
Viva ao bricolage! Um agradecimento aos tutoriais.
Barbie enfermeira esgota, não recebe o lucro.
Ken ator vai à falência. Unidos pelo presente e futuro da cultura em Portugal.
As lojas reabrem, voltamos a circular, calcamos calçadas. Saudades. Os filhos pródigos
regressaram. Atuam sobre um mundo novo, dão as suas condolências ao anterior.
Protegemo-nos.
Detestamos zaragatoas.
Amamos a liberdade.
Somos uns sortudos, perdemos, contudo, ganhamos.
Guardamos no nosso compêndio todas as espécies que 2020 nos deu a conhecer, porém
acontece que o epílogo desta pandemia é mais relevante que a introdução. Somos
outros, estamos outros, os espaços são outros. Andar na rua é um bailado sem fim, um
jogo de metros e acrobacias. Só somos indivíduos depois de passar o gel e medir a
temperatura, antes somos estatísticas.
Por outro lado, não é isto o viver e estar vivo? O risco está mais próximo, contudo as
nossas vozes não desistem de pronunciar todas as palavras, mesmo de máscara, mesmo
com as restrições de um vírus, que para lá de interesses económicos e afinidades
extremistas, procura apenas ocupar os nossos pulmões e parar os nossos corações. Para
ele é simples, desse modo sobrevive, procria, desenvolve.
Ora para o desinstalar é preciso perceber que este é agora um planeta de dúvidas, se já
o era antes pela filosofia e retórica dos carateres, agora é mais do que nunca uma terra
de doidos e hipocondríacos racionais, não com a mania, mas com a certeza da
perseguição.
Viramos a presa de um caçador invisível, logo vamos tratar de todos os nossos papéis e
criar enquanto ele não chega à nossa morada, enquanto não voltamos ao topo da cadeia
alimentar.
Finalmente entendemos que não se trata de esperar, trata-se de explorar hipóteses, e
por isso estamos alerta, estamos viciados nos nossos propósitos.
Refletimos mais sobre o todo e não confiamos em pré-conceitos ou preconceitos.
A Covid veio provar a igualdade, como as nossas maleitas convivem em fraternidade.
Fomos obrigados a renascer, a aprender novos modos e feitios… e talvez a ser melhores,
mais perspicazes para o que está em falta, para o quando e onde, para a entreajuda que
o combate ao medo exige.
Eu sou uma das infelizes licenciadas de 2020, cuja festa será mais interior do que
exterior, porém não sinto essa exclusividade a 100%, diria que no geral todos passaram
por uma graduação difícil, estudantes ou não, mas estão aqui, passaram! Podem e
devem sorrir, porque não pararam, não se encolheram… Amanhã hão de ter mais umas
aulas e hão de estar presentes. E é isso que define esta nova etapa, a pontualidade e a
presença, as conversas e as assinaturas de gente que teme um fim e simultaneamente
o aguarda.
Os degraus são íngremes, mas precisam de passos para ser degraus…
Portanto madames e messiús não olvideis, quando a estranheza bater à vossa porta,
dizei que estais prontos, sem modéstias, sois ladies and gentlemen e viesteis para
distorcer as contrariedades.
Cheguei, chegamos, chegaram, chegaste.
Sobrei, sobramos, sobraram, sobraste.
C O B R I R A M;
O que cobraste.