Connect with us

Sociedade

Odair Moniz e a Violência Policial em Portugal: realidade ou propaganda?

Published

on

Carro da PSP em Portugal | Fonte: Pexels (Isaac Mitchell)

Na passada madrugada de 21 de outubro, Odair Moreno Moniz foi morto a tiro no bairro da “Cova da Moura”, às mãos de um agente da PSP com menos de dois anos de serviço. As incongruências quanto aos factos continuam a surgir.

 

Foi pelas 05:40 da madrugada de 21 de outubro deste ano que Odair Moniz, popularmente conhecido como “Dá”, de 43 anos, foi atingido por um jovem agente da PSP, Carlos Canha, com menos de dois anos de experiência, tendo o óbito sido declarado menos de uma hora, após o acidente mortal. Ainda que a vítima tenha sido reencaminhada para o Hospital de São Francisco Xavier, os ferimentos que Odair apresentava na cabeça, no tórax e no abdómen em resultado dos quatro tiros que foram disparados (dois para o ar e outros dois na sua direção) acabaram por ser demasiado graves para que a situação se revertesse pelo melhor.

Este tem sido um caso com grande mediatismo em território nacional, provocando tumultos nas ruas e abrindo espaço a debates públicos, não só por causa da gravidade da situação, mas sobretudo por causa das incongruências que vão surgindo em relação ao que realmente aconteceu na madrugada de 21 de outubro no bairro da “Cova da Moura”. 

Inicialmente, num comunicado divulgado pela própria direção nacional da PSP, foi afirmado que o comportamento do agente se circunscrevia dentro dos trâmites da legítima defesa, uma vez que este teria alegadamente agido em resultado de uma tentativa de resistência à detenção e de agressão com recurso a arma branca por parte de Odair. Para além disso, nos primeiros dias da investigação, foi divulgada a informação de que a vítima era suspeita de  furto do veículo em que seguia.

Contudo, Odair não ameaçou nenhum dos agentes da PSP com recurso a arma branca (ainda que esta estivesse na sua posse), à luz do que foi declarado à PJ pelos agentes envolvidos e de imagens de videovigilância do local, e o carro em que seguia não era furtado, mas sim sua propriedade.

Por conseguinte, a investigação do Ministério Público aponta para o “excesso de legítima defesa da PSP” na sua atuação, caso em que a legítima defesa deixa de servir como fator de exclusão de ilicitude do ato cometido, podendo o infrator vir a ser devidamente condenado pelo crime cometido, não obstante a possibilidade de a pena vir a ser atenuada.  

A situação tem gerado sentimentos de revolta e frustração nos moradores do bairro do Zambujal, pois, segundo os próprios, Odair era “um acarinhado membro da comunidade e querido por membros de diferentes etnias”, proprietário de um café com um “ambiente calmo” frequentado pelas pessoas da região. Na mesma linha de pensamento, os moradores do Bairro do Zambujal descrevem Odair como sendo “uma pessoa muito querida, sincera e trabalhadora”, imigrado em Portugal há mais de 20 anos, ainda que com cadastro por tráfico de droga e alguns crimes violentos, nomeadamente assaltos à mão armada. De qualquer modo, para ambos os crimes já tinha sido cumprida a devida pena de prisão, e desde então não se tinham registado mais ocorrências do mesmo nível.

Na semana que se seguiu ao assassinato de Odair Moniz, verificaram-se protestos e manifestações violentas por muitos bairros da Grande Lisboa, com início no bairro do Zambujal, onde a vítima residia ao tempo da ocorrência, e que rapidamente se expandiram a outras zonas de Amadora, Carnaxide, e até mesmo de Sintra. Registaram-se inúmeros atos de vandalismo nas ruas, incêndios e roubos, destacando-se o caso do motorista do autocarro da Carris Metropolitana que ficou em estado grave, na decorrência do incêndio posto ao veículo na madrugada de 24 de outubro.

Dada a sensibilidade do caso, a Procuradoria-Geral da República direcionou o caso de Odair Moniz para uma “unidade de elite”, isto é, para uma secção do Departamento de Investigação e Ação Penal Regionais (DIAP) constituída por procuradores mais experientes. Ademais, foi pedida celeridade na investigação do caso, de modo a restabelecer-se a paz nas ruas e no debate público o mais rapidamente possível.

Porém, este é um caso muito falado, não só pelo “cidadão-comum”, como também pelas associações e movimentos que pregam pela justiça e pela luta contra o racismo, e até mesmo figuras públicas de vários setores, nomeadamente, da Política. 

Neste sentido, a 26 de outubro decorreram diversas manifestações por todo o país em defesa de Odair Moniz. Em concreto, no Porto, cerca de 200 pessoas, por iniciativa dos “Estudantes do Porto em Defesa da Palestina” e, em Lisboa, milhares de pessoas, por incentivo do movimento “Vida Justa”, reuniram-se em defesa da Justiça, da Igualdade e da Luta contra o Racismo

Em contraposição, André Ventura, coordenou uma contramanifestação em defesa das forças policiais. Segundo o líder do partido Chega, existe um alegado “branqueamento forçado e abusado” da vítima e uma “[…] tentativa vil de ataque da polícia, de menorização da polícia e de desculpabilização deste tipo de violência que está em curso”.

Aliás, a proposta de pesar pela morte de Odair Moniz por parte da Assembleia Municipal de Lisboa foi aprovada por todas as forças políticas, à exceção dos Deputados do mesmo partido da extrema-direita portuguesa.

Ainda quanto às reações à tragédia por parte das maiores figuras políticas, Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República, embora esperasse que o funeral de Odair Moniz decorresse em “ambiente de serenidade”, não marcou presença no momento fúnebre que, no seu entender, é “um momento para a família”. Por outro lado, Carlos César, presidente do Partido Socialista (PS), criticou a inação de Montenegro após a morte de Odair Moniz, que não visitou nenhum dos locais onde se verificaram os tumultos.

A verdade é que este é um caso cujo desfecho, aparentemente, ainda está longe de se dar. Todavia, a indiferença não tem lugar à mesa aquando a mobilização da população nos momentos em que é necessário defender os seus interesses.

 

Artigo por: Bruna Moreira

Editado por: Inês Faria e Joana Monteiro