Devaneios

TRAGO A VIDA PARA AS LINHAS

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Trago a vida para as linhas. Trago todo o destino, todo o rumo que me foi imputado, mesmo em meu profundo desconhecimento. É um dilema grande, amplo, no qual me lidero há já uns bons anos. As questões permanecem sem resposta. Sim, aquelas intrínsecas e essenciais, as tais relativas ao sentido e à direção de se viver. Diria que será crónico, ou, então, na hora final, que as respostas chegarão. Até lá, pululam as dúvidas.

São mais as indefinições presentes e futuras que as certezas passadas. Não há lugar para especular sobre o que ficou para trás, na medida daquilo que foi já vivido, mesmo que se questione o que poderia ter sido ou deixado de ser. Mais do que isso, as perguntas permanecem, mais ou menos latentes, no meu ser. A vida ainda está a preparar as respostas, prolongadas que sejam, mas que me tomam todo o tempo. Acredito que esteja sobrecarregada. Caramba, são pensamentos, emoções, afazeres, sentimentos, preocupações, conjeturas, recordações. É demais. No fundo, o que ela tem de fazer é ser-se, somente. Ela não tem a obrigação de me responder a nada. Só tem de ser ela mesma, é para isso que foi criada. Ao menos essa, de sentido de vida orientado e definido, vai numa independência inquestionável, com um semblante intocável, para lá daquilo que é a discussão do seu estado de alma.

Ninguém quer saber da vida, em boa verdade. Só se quer saber daqueles que a vivem, daqueles que a potenciam ou não. Por si só, a vida é posta em perspetiva, e discutida em função de um outro. E ela mesma? Não é personalizada? Não tem as suas questões e decisões? Não haverá todo esse caudal infindável de confissões a serem feitas? Não estará ela farta deste interrogatório regular da minha parte? Quem diz da minha parte, diz de todos aqueles que vivem.

A legitimidade é a mesma daqueles que questionam o seu sentido, para além do sentido da sua existência. Não há nada que os negue, mas nada que os confirme. Por isso é que é tão importante viver. É uma constante descoberta, é um traçado ortogonal recheado de curvas tomadas pelo pensar e pelo sentir. Nada nisto que vivemos é linear. Estamos sempre em permanente cogitação. Se houvesse certeza, aí, talvez, fosse legítimo considerar o sentido da vida.

Assim sendo, e perante a indefinição de uma dúvida perpétua, que se resume a um dado metafísico na extinção final daquilo que somos, em jeito de alma, a vida é trazida à discussão como arguida, mas sai como ilibada. É um processo moroso, é certo, chegar todas a estas conclusões, por mais paradoxalmente inconclusivas que sejam. As antíteses multiplicam-se, e cá estamos nós para lhes dar as devidas respostas. É um combate filosófico, sem a necessidade de empunhar armas, mas de sacrificar uma tonelada de neurónios fugidios e exangues. O coração também traz a sua voz, para uma discussão valente e destemida. Como sempre, colabora com um impulso e uma intuição que, por mais contrastantes, se ligam na sua identidade brutal e apaixonante.

A vida chega, no meio de todas as suas imprecisões, e assenta-se, anuindo com diversão àqueles que lhe desbobinam um documentário de perguntas sem qualquer tipo de correspondência certa e real. Estabiliza-se uma instabilidade incessante, como uma chama que não tem modo de se apagar. Importa, mais do que se ter uma vida, vivê-la. Sintonia e sincronização, sem dar azo à tortura desta nova inquisição.

Trago a vida e notifico-lhe o que se decidiu: foi isto e isto, mas nunca esqueceremos o aquilo. É a nossa sina.

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