Artigo de Opinião
UM EXERCÍCIO “LIVREMENTE” CONDICIONÁVEL
Aquando da escrita destas linhas a Assembleia da República já terá cessado há muito o seu “período normal de funcionamento” que se espraia “de 15 de setembro a 15 de junho”, nos termos do artigo 174º, nº2 da Constituição da República Portuguesa (CRP). No entanto, até pela importância do momento, quando já se vislumbram no horizonte político as eleições legislativas de 2019, as férias parlamentares ficam para segundo plano. Como diz o nosso Povo, “até ao lavar dos cestos é vindima”.
Sendo os Deputados legítimos representantes do Povo, no qual reside “a soberania, una e indivisível” (artigo 3º, nº1 da CRP) é compreensível que o nosso Parlamento seja o principal propulsor na condução da vida de todos nós. Toda e qualquer medida que seja de lá emanada tende a ter um impacto real no nosso quotidiano, ainda que por vezes não o sintamos até que nos chegue ao bolso.
Ora, os Deputados são homens e mulheres, pessoas de carne e osso e como tal, ainda que concordando ou discordando em determinadas temáticas, irão sempre pensar e expressar-se de forma diferente. A natureza humana funciona assim mesmo: não existem duas pessoas iguais. Este raciocínio pode parecer tautológico mas terá a sua importância para o exposto.
Recorrendo novamente ao texto da Lei Fundamental, lê-se no nº1 do seu artigo 155º que “os Deputados exercem livremente o seu mandato”. Quais serão, pois, os limites do advérbio de modo aí livremente empregue?
Participar das votações é um dever que assiste aos Deputados, estando consubstanciado na CRP, na alínea c) do artigo 159º, e sendo replicado no próprio Regimento da Assembleia da República, mas neste âmbito sob a veste de “poder”, como se pode verificar pela alínea l) do seu artigo 4º. Sem querer entrar na discussão sobre a natureza desta atribuição, o que acontece é que, nos termos da CRP (artigo 151º) e da Lei Eleitoral para a Assembleia da República (artigo 21º), são os partidos políticos que apresentam as candidaturas, isoladamente ou coligados, ainda que possam incluir nas suas listas “cidadãos não inscritos nos respetivos partidos”, vulgo ‘independentes’, designação que dá que pensar na medida em que qualquer cidadão é, ou deveria ser, independente per se.
Nota-se, portanto, desde o início, uma influência dos partidos políticos sobre o cidadão que, filiado ou não, integra as suas listas de candidatura. Mesmo que venha a ocupar um assento naquela que é, na sua verdadeira aceção, a Casa do Povo, o cidadão sabe que foi lá colocado por determinado partido que o escolheu. Um notório reflexo disso mesmo é o que se designa por ‘disciplina de voto’, um instrumento que se faz sentir de forma evidente em algumas votações. Nesses casos, os Deputados de determinada bancada seguem a orientação ditada pelo partido que representam, de modo a que todos votem alinhados em determinada matéria, satisfazendo deste modo os interesses do aparelho partidário. Caso alguém, fazendo uso do seu livre arbítrio, fure a disciplina imposta, poderá vir a incorrer em sanções por parte do partido. Em sentido oposto, os mesmos partidos que impõem, por vezes, a ‘disciplina de voto’, noutras vezes concedem a ‘liberdade de voto’. Pelo menos é assim que tal ato, quando ocorre, nos é apresentado pelos media, como se a liberdade fosse um mero objeto que se pudesse ceder e retirar, ao sabor dos interesses partidários, sempre voláteis.
É ingénuo supor-se que todos os Deputados de uma bancada parlamentar pensem do mesmo modo, como se estivessem amestrados. Tal, creio, acaba por rebaixar e retirar dignidade ao exercício de tão honrosa função aos olhos do Povo, cujos interesses aquelas Senhoras e Senhores devem sempre, em primeira instância, respeitar. Essa será a verdadeira essência do seu mandato.
No que se refere ao seu livre exercício, são palavras bonitas, de grande nobreza e elevação. Tenho pena que não se verifiquem sempre na prática, onde às vezes a liberdade é afastada, sendo substituída pela pura instrumentalização. Não que isso seja regra. Não. É um mecanismo a utilizar com moderação. Somente quando dá mais jeito.