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Crítica

VIAGEM #1: MINIMALISMO ESTANDARDIZADO E FALSO CIVISMO NA DINAMARCA

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O fascínio

Nutro grande interesse pela cultura nórdica. Os vikings, Hamsun, Karl Ove Knausgaard, Lars Von Trier são algumas das referências que que criaram em mim esta fixação com a utopia nórdica. Isto para não falar do design, da arquitetura, da moda, do lifestyle. E o hygge, que lá é sentimento, mas aqui é literatura.

Passo a elencar os prós e contras da odisseia dane que consistiu em 10 dias entre Aarhus e Copenhaga e desembocou numa crise existencial. Mas lá chegaremos.

Como lagartos em agosto

Calhou visitar a Dinamarca no verão mais quente desde há 50 anos. Em plena segunda quinzena de julho, estava mais quente em Copenhaga que em Lisboa. Conclusão: os relvados estavam amarelos (os dinamarqueses não perdem tempo a regar relva como outros mediterrânicos eco-not-friendly), a população em pelota a atirar-se para os canais e a apanhar mais sol que um lagarto em agosto.

É gente que sabe aproveitar bem a vida.

É gente que sabe que uma cerveja às 5 horas da tarde e uma boa conversa são uma lufada de ar fresco necessária. E que filhos pequenos não são impedimento, porque a natalidade é alta e a vida social não para.

Os dinamarqueses são prestáveis e simpáticos. Sobretudo, note-se, se o interlocutor for clarinho e não usar burka. Os imigrantes de leste e dos países em desenvolvimento são incómodos, porque não perpetuam a cultura dinamarquesa e não compreendem o sistema social. Ou seja, não pagam impostos, que é o que mais há de sagrado em terras de Kierkegaard.

Design, Arquitetura e Ecologia

Os amantes de design minimalista, prático e ecológico vão sentir-se em casa na Dinamarca. O Design Museum of Denmark, gratuito para estudantes, é mais divertido que qualquer Tivoli (parque de diversões de 1843 e ícone de Copenhaga) e a cidade é berço de várias obras primas de arquitetura minimalista. Em Copenhaga, destaco a Biblioteca Nacional Dinamarquesa (“O Diamante Negro”), a Ópera Nacional e as Residências universitárias Tietgen. Em Aarhus, a Biblioteca Municipal, no edifício Dokk1 (imaginem a BMAG no Porto de Leixões) e a Universidade de Aarhus.

E já que falei em legos, de referir que nasceram na Dinamarca em 1932. A loja Lego na Vimmelskaftet (Rua de Santa Catarina de Copenhaga) é divertidíssima, tão etariamente heterogénea como um concerto dos Stones, e ficamos na dúvida se quem se está a divertir mais são os pais ou as crianças.

Ah, e os carros elétricos! A Dinamarca é famosa por um imposto de registo de veículo de mais de 100% quando o valor do carro ultrapassa as 81,700 coroas (10947,36€). Ou seja, paga-se o carro em duplicado. Por isso, e também pela cidade ser praticamente toda plana, em Copenhaga circulam cerca de 560.000 bicicletas, entre as quais as Christiania, bicicletas com uma espécie de caixote atrelado, onde vão as crianças e os adultos e até servem para bancas de streetfood. Até a família real dinamarquesa é fã!

O falso civismo

Muitos referem que a raiz da corrupção reside na (in)consciência cívica dos povos. Acusamos diariamente os que nos governam de corrupção, mas nós portugueses, se podermos ficar com o troco de 0,10€ que o empregado do café se nos enganou a dar, ficamos.

Em contraponto, os nórdicos são vistos como o suprassumo do civismo e da ordem; o que na verdade não é bem assim. Como me disse uma vez um professor da faculdade: eles não são menos corruptos que nós, simplesmente são mais temerosos à lei.

Para ilustrar isto falo-vos em passadeiras. Nos primeiros dias na Dinamarca reparei que as pessoas, estando a estrada completamente vazia, nunca, mas nunca, passavam uma passadeira com um sinal vermelho dos peões (o que ingleses chamam de jaywalking). Mais tarde, vim a descobrir que a multa relativa ao jaywalking é qualquer coisa como 700 coroas dinamarquesas, ou seja, quase 100 euros. E há polícias. E eles passam multas.

Ou seja, tal como nós, eles aprendem com sanções. A diferença, tal como diria o meu professor, é que lá as multas por incumprimento não prescrevem por inércia das entidades.  Tal como os portugueses aprenderam a usar saquinhos reutilizáveis porque os de plásticos foram taxados, isso não faz de nós melhores amigos do ambiente e eles reis do civismo.

Onde está a gente feia, gorda e ranhosa?

Os dinamarqueses são um povo bonito, elegante, loiro e de olho azul. Eles, elas, as criancinhas, até os cães. E tenho-vos a relembrar que estávamos no verão mais quente desde há 50 anos e via-se gente mais seminua nas ruas de Copenhaga que em Copacabana.

Tudo muito bem. Exceto que se tornou aborrecido não ver ousadia num mar de minimalismo estandardizado. O multiculturalismo é tão vaiado quanto a imigração e sente-se falta dos feios, porcos e maus. O outfit t-shirt branca, calções de ganga e Birkenstock levado ao expoente da loucura fez-me sentir falta do meu Porto recesso, variado e despretensioso.

Conclusão: A crise existencial

Em Copenhaga inteirei-me de algo que mexeu muito comigo (e note-se, poderia ter acontecido noutra qualquer capital europeia). O que a identidade e coesão europeia tem de bom, tem também um lado negro.

Visitamos qualquer cidade europeia, sobretudo do Centro-Norte, e é sempre o mesmo: Old-town, Catedral, café hipster das panquecas, um rio, uma ponte, as casas de kebabs, o 7Eleven, alojamento local, os guetos de imigrantes. Se pensarmos bem, de Tallin a Faro nada muda muito.

Claro que o minimalismo estandardizado sociocultural dinamarquês não ajudou. Como disse, isto poderia ter acontecido em qualquer cidade europeia, simplesmente Copenhaga foi a infelizarda cidade que reunia mais clichés.

E porque a gastronomia é algo que prezo em viagem, termino, em jeito de conclusão, dizendo que os dinamarqueses não têm grande culinária nacional. Comem tanto porco como nós e um dos pratos nacionais que tive a oportunidade de provar (Mørbradgryde) parecia um pitéu que faria no campismo do Paredes de Coura.

Apesar de tudo não se deixem influenciar pelas minhas epifanias e visitem para tirarem as vossas próprias conclusões.

Artigo por Inês Anjos. Revisto por Adriana Peixoto.

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