Crónica

VIAGEM #2: DEAMBULAR EM PARIS

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Sábado

A calçada da Rua Mouffetard foi o primeiro chão que pisei em Paris. Naquele sábado albergava mais um Marché Mouffetard, famoso mercado de rua parisiense. Entre os toldos coloridos e os cheiros de gastronomias várias, ouvem-se os passos rápidos de turistas, entre as bancas de mercearias finas, queijos e várias comidas étnicas.

Com boa streetart, o mercado revelou-se demasiado pequeno, turístico e com um preço elevado para uma carteira de estudante. Boa surpresa foi, no entanto, o Jardim das Plantas, integrado no complexo do Museu de História Natural bem lá perto. Um jardim de dimensão considerável, com uma alameda cheia de canteiros sarapintados de papoilas coloridas com uma dinâmica curiosa entre o barulho das crianças, os encontrões dos joggers e os turistas perdidos.

Seguimos para uma das minhas rotinas sagradas em viagem – uma free tour para uma primeira noção da cidade. Por preguiça, optamos logo pela Sandemans (provavelmente a maior operadora de free tours europeia), muito bem representada pelo Oliver, um estudante de História de Arte britânico expatriado na “Cidade das Luzes”. Enrolados na sua teatralidade cativante, andamos cerca de duas horas em modo síntese cultural a começar nos Parisii (tribo celta fundadora da cidade) terminando nos gillets jaunes. Simples, eficaz e elucidante para uma short-stay com direito a dicas para sobreviver numa das cidades mais caras da Europa com poucos euros no bolso.

Acabar a noite foi a deambular por Le Marais, aparrando no L’Atirrail, provavelmente o único café em Paris com um fino a dois euros, decorado com fotos de passe, cartões da ESN e todo o tipo de memorabilia estudantil.

Domingo

Domingo de manhã é dia Marché aux Puces de St. Ouen, uma feira da ladra gigantesca numa zona cinzenta de ghettos imigrantes, mas cujo o esticão vale bem a pena. O “Mercado das Pulgas” está organizado numa espécie de bairro, com ruas e ruas de stands com o mais variado conteúdo: de vestidos YSL em segunda mão a pins da Coca Cola dos Jogos Olímpicos de Inverno, e ainda a dosséis rococós roubados sabe-se lá de onde. Aqui abunda todo o tipo de bugiganga, quinquilharia e pilecas que – atenção -, não são velhas e carcomidas, são vintage.

À tarde decidimos imergir numa overdose de impressionismo no Museu D’Orsay, a antiga estação de comboios novecentista na margem esquerda do Sena.  Tendo em conta que todos os museus nacionais franceses são gratuitos para jovens europeus até 26 anos, é quase um pecado perder a cultura francesa, cada vez mais acessível e apreciada. Aqui podem encontrar obras de Monet, Seurat, Degas, Van Gogh e Gauguin bem como uma substancial coleção de Arte Nova.

Terminamos o dia bem fundo, nas Catacumbas de Paris. São uma atração peculiar: dois quilómetros de túneis decorados com as ossadas de seis milhões de parisienses que nos fazem sentir cientes da nossa curta estadia da Terra. Ainda assim, a excentricidade do local não justifica os quinze euros por pessoa.

Segunda-feira

Segunda começou com um sprint pela colina de Montmatre, com as cúpulas alvas do Sacré-Couer a guiar-nos o caminho. No habitat natural de Amélie Poulain, percorrem-se rapidamente as ruas deste famoso bairro de artistas com excelente vista para a cidade. Tomando uma das várias escadarias, rapidamente se chega ao Le Chat Noir e Moulin Rouge, outrora as mais famosas casas de prazer da capital. Montmatre é de facto uma delícia, mas o turismo massivo claramente sufoca a tentativa de usufruir o bairro e torna-o aborrecido em dois tempos.

Em cerca de meia hora chegamos ao edifício que mais dividiu os parisienses nos anos 70. Como grande fã do Centro Pompidou ou “a fábrica que vomitou sobre ela própria”, não iria desperdiçar mais um bilhete gratuito para admirar a excelente coleção de arte moderna e contemporânea, onde só a “Blusa Romena” (1940) de Matisse me roubou uns bons 15 minutos.

Seguimos em frente até à Île de La Cité, a pequena ilha no Sena que os Parisii escolheram para fundar a cidade no ano de 250 a.C. Passando pela Conciergerie (prisão onde estiveram “hospedados” Maria Antonieta e Luís XVI no seguimento da Revolução) e pela Saint Chappelle, deparámo-nos com Notre Dame. Ícone gótico da cidade, foi quase totalmente destruída na Revolução, não fosse o marketing de Vítor Hugo com a obra “Notre Dame de Paris” em 1831. Indispensável também é a Shakespeare & Co., a livraria de Sylvia Beach no Quartier Latin, onde se passam umas boas horas de leitura na companhia de Aggie, o gato livreiro residente.

De crepe nas mãos, vagueamos no Bairro Latino, passando pela Rua Dante (avenida de lojas de banda desenhada), pela Sorbonne (casa dos estudantes mais revolucionários dos anos 60) até à Boulevard de Saint Germain de Prés. Esta zona, que era a preferida de Hemingway, é casa dos cafés históricos de Paris, nomeadamente o Procope (1686), o favorito dos iluministas e o Café de Flore, segunda casa de Simone e de Sartre. Ambos pornograficamente caros, valem a pena pelo significado que comportam e pelo que contribuíram para a essência da cidade.

Terça-feira

A partir de Champ de Mars, são trinta minutos de comboio até Versalhes. Este monumental complexo dourado de palácios e jardins barrocos justifica uma viagem até aos subúrbios.  Esta foi a casa de Luís XIV, que, cansado da residência real no Louvre, transfere para lá a corte em 1682. Sendo totalmente honesta, e sobretudo para quem vem de uma cidade barroca como Braga, a estética do palácio não ofusca pela novidade, mas pela dimensão. Aparte da beleza do Salão de Hércules e da Sala dos Espelhos (onde foi assinado o tratado de Versalhes  em 1919), Versalhes é mais um palácio barroco. Agora, os Jardins de Versalhes já são outra história: 830 hectares de extensão, 55 fontes, uma réplica de uma aldeia inglesa e mais dois pequenos palácios oferecidos a Maria Antonieta (Grand Trianon e Petit Trianon) tornam compreensível que este local tenha sido inspiração para a maioria dos jardins europeus da época. Versalhes vale mesmo pelos jardins, labirintos e alamedas belíssimos que permitem um dia diferente do bulício parisiense.

Terminamos a jornada já em Paris, de Baton Mouche, que definitivamente nos dá outra perspetiva da cidade. O bilhete é caro (quinze euros), mas o passeio de barco no Sena permite-nos apreciar de fora monumentos que provavelmente não teríamos tempo de ver numa viagem curta – nomeadamente a Ponte Neuf, o Palais de Tokyo (atualmente encerrado para renovação de exposições), o obelisco de La Concorde, o Grand e o Petit Palais, a exótica fachada do Instituto do Mundo Árabe e finalmente – o farol de Paris – a Torre Eiffel. A torre de Gustave Eiffel – autor da Ponte Maria Pia (e não da Ponte D. Luís!) no Porto – foi construída para a Exposição Universal de 1889 e mede 324 metros. Na época, o “monstro de aço” foi de imediato vaiado pelos franceses, acalmados pela promessa de que a sua estadia seria temporária. No entanto, ela permaneceu, tornando-se o mais enigmático símbolo de Paris.

Quarta-feira

No último dia de viagem saímos em Les Invalides – antigo hospital militar napoleónico que alberga sob a cúpula o túmulo do seu mecenas -, atravessando a ponte Alexandre III até L’Orangerie, provavelmente a galeria mais encantadora e equilibrada da cidade.

O antigo pavilhão das laranjeiras, no final do Jardim das Tulherias, alberga a coleção de Paul Guillaume e conta com obras de Cézanne, Matisse, Modigliani ou Renoir. Em 1927, os “Nenúfares” de Monet (doados ao governo francês em 1922) foram entregues às paredes de L’Orangerie, oferecendo uma inexplicável sensação de paz em tons pastel aos visitantes.

De seguida, e seguindo as Tulherias até ao fim, surgem as Pirâmides de I.M. Pei que guardam a entrada do maior museu do mundo – o Louvre.

O Louvre dispensa de apresentações: 380 mil peças, 35 mil expostas, é casa dos mais preciosos tesouros da Humanidade, desde o Código de Hamurabi à Marianne de Delacroix. Não sendo este museu uma novidade para mim (já tinha estado em Paris há dez anos), optei por delimitar a priori o que queria mesmo ver. Aparentemente, tendo em conta que uma pessoa média gasta cerca de dois segundos por cada obra, seriam necessários nove meses para poder visitar o Louvre.

Devido à ameaça do timing do voo em Beauvais, optamos por terminar a estadia na zona oeste de Paris, nomeadamente na Fundação Louis Vuitton (FLV), no Bosque Bolonha – o gigante parque que conecta a cidade com a zona moderna de La Défense. Esta mescla de madeira e vidro da autoria de Frank Ghery nasceu em 2006 a pedido da gigante casa de moda francesa. A FLV é impressionante, mas, tendo em conta a distância do centro, só valerá a pena para os interessados em arquitetura, pois à parte do edifício em si, o conteúdo é praticamente nulo.

Infelizmente, foram vários os sítios que ficaram por “riscar” – entre eles Père Lachaise, Bellevile, o Jardim de Luxemburgo e o Museu Quai Branly – mas a amplitude da cidade não permite tal tarefa hercúlea em cinco dias. De qualquer forma, é sempre bom deixar coisas por ver, quanto mais não seja como desculpa para voltar.

Boas viagens!

Artigo de Inês Anjos. Revisto por Adriana Peixoto.

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