Crónica

ONDE ESTÃO OS HERÓIS DO 25 DE ABRIL?

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Salgueiro Maia, um herói confesso para mim, deve ainda estar às voltas dentro do túmulo, depois de saber os números da abstenção portuguesa nas eleições europeias do passado dia 26 de maio.

A História é realmente curiosa, talvez por isso me fascine tanto…Quarenta e cinco anos um mês e um dia depois da população portuguesa ter saído à rua para gritar liberdade, 70% dessa mesma população fica… não se sabe bem onde. Entre uma espreguiçadeira na praia, uma esplanada ou um sofá em casa, façam as vossas apostas!

Não entendo… as pessoas que saíram à rua a 25 de abril de 1974, que viveram efectivamente a revolução e os tempos da ditadura, conseguiram cuspir na cara de quem outrora chamaram de heróis, são pessoas que admiro, que arriscaram tudo, tudo, por nós! Esses heróis que todos os anos aplaudimos (aparentemente por mera formalidade) devem-se estar a perguntar: Porquê? Que fizemos mal? Porque arrisquei eu tudo naquela madrugada? Enfim, consigo apenas imaginar o sentimento que os outrora revoltosos devem hoje sentir.

Não vivi a ditadura, mas já li demasiados livros e já vi demasiados documentários e filmes. Desculpem, foi a melhor maneira que consegui arranjar para me aproximar daquilo que foram as realidades do século XX. Mas essa maneira aproximada de entender tempos passados faz-me querer o mundo livre e democrático que hoje vivemos, mas que corre grandes perigos.

Há uma coisa que as pessoas ainda não entenderam (de entre muitas, muitas outras): o que fizeram no passado dia 26 não foi sinal de protesto, nem tão pouco sinal de revolta ou revolução. Foi sinal de ignorância, de irresponsabilidade e sobretudo, e isso creio que é o mais triste, de falta de noção de cidadania e de valores. Deram razão às ditaduras. Deram razão a quem defende que os cidadãos não se sabem governar a si e que precisam de um grande líder, de um Führer, de um Dulce, de um Generalíssimo. Os cidadãos portugueses não entenderam, mas deram também lugar ao populismo, deram lugar ao nacionalismo, deram lugar a todos esses ismos estranhos e que por vezes nos parecem distantes. Enfim, penso que cabe a cada leitor refletir e perceber quais as consequências destes atos. Mas é óbvio que uma sociedade tão cega e tão distante das realidades que hoje vivemos não pode esperar um futuro promissor. Esses que “são todos iguais”, esses políticos que “são todos corruptos e sujos” esses que foram a razão para tanta gente não votar, não vão perder o cargo com a abstenção, muito pelo contrário.

Como jovem que sou, as pessoas não podem imaginar os medos que tenho do futuro. Não por ser o futuro, mas por ser este o futuro que as pessoas mais velhas me estão a legar. A minha geração não ajuda, na sua maioria, é verdade, mas penso que há a perceber que somos todos fortemente influenciados pelos nossos pais e pela maneira destes estarem na sociedade (não é por acaso que a família foi durante tanto tempo a base de educação das sociedades), ora, se os nossos pais nos dão estes exemplos, porque raio vai a minha geração fazer o contrário? Afinal, bom filho aos seus não degenera. Tenho, portanto, uma sorte imensa quanto aos meus pais, que direta ou indiretamente sempre me mostraram o valor da cidadania.

Há exceções, claro, e o leitor não sabe o conforto que sinto quando vejo que não sou o único na luta por um mundo mais livre, mais justo, mais democrático e acima de tudo mais cívico. Mas é pena que essas pessoas, que constituem a “geração mais bem formada de sempre (dizem os especialistas), não façam todas parte dessa pequena fação que luta diariamente por um mundo melhor.

Por mero acaso, enquanto ouvia uma música no YouTube e escrevia o início deste modesto artigo de desabafo, apareceu-me o filme “A hora da Liberdade”, que termina com esta comunicação:

“O movimento das forças armadas que acaba de cumprir com êxito a mais importante das missões cívicas dos últimos anos da nossa História, proclama à nação a sua intenção de levar a cabo, até à sua completa realização, um programa de salvação do país e de restituição ao povo português das liberdades cívicas de que vem sendo privado. Viva Portugal.” – Nem de propósito… há coisas assim.

Guardo em mim o desejo de um dia escrever sobre a enorme adesão às urnas, sobre filas de gente, sobre dias melhores… Enquanto isso não desisto dos meus sonhos, não desisto dos ideais de abril, tão precocemente esquecidos, não desisto de uma Europa melhor. Porque Portugal é Europa, e a Europa é também Portugal, e eu quero que ambos vivam dias melhores.

Artigo de João Silva. Revisto por Adriana Peixoto.

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