Crónica
ERA UM LIKE, POR FAVOR
Vivemos numa era em que o superficial e o falso reinam. O importante não é ser feliz, mas sim que as pessoas achem que somos felizes. Fortalecida pelo advento das redes sociais, a nossa necessidade de aceitação social é cada vez mais selvagem, levando-nos a extremos para tentar manter uma figura de perfeição inatingível. Quantos sorrisos só duram até o momento em que o instastory é publicado? Quantas panquecas do Diplomata perdem logo o seu valor a seguir a tirar uma foto rápida para o Facebook?
É terrivelmente assustador olhar para o futuro e perceber que cada vez mais somos dependentes dos likes, os malditos likes. A tirania dos números rege a vida em sociedade, a necessidade de ser social e público. Em tempos tive uma amiga que me perguntou “Então? Foste a Nova Iorque e não tiraste fotos?”, ao que eu disse que não porque não tinha esse hábito. A resposta baralhou-me – “Ah ok, se não tiraste foto não estiveste lá”. Claro que foi dito num tom de brincadeira, mas ficou o pensamento.
A realidade atual é essa: se não tirar uma foto do sítio onde estou ou daquilo que estou a fazer, esse momento não existiu. Pelo menos não na esfera social em que me envolvo e, portanto, não tem valor.
Lembro-me também sempre dum fantástico episódio da série Black Mirror (Temporada 3, episódio 1) em que uma sociedade futurista baseia todas as suas interações num “rating” que cada pessoa possui. Outra ideia que me assusta, a valorização das pessoas estar resumida a uma escala de 0 a 5. Uma escala completamente arbitrária, vazia. O mesmo acontece com os likes. Por vezes estou a navegar o Instagram e ouço uma voz ao meu lado a dizer “Uau! Essa moça tem muitos likes!”, como se isso tivesse de alterar a minha perspetiva do que estou a ver. Será que uma cara é mais ou menos bonita por ter mais ou menos likes? Ou melhor, será que uma cara fotografia vale mais ou menos segundo a quantidade de pessoas que gostaram dela?
Isto tudo sem falar da infame frase “Olha, já deste like na minha foto nova?”, que eu jurava era um mito urbano. Sim, claro. Lá chegou a mim e percebi que não era mito nenhum, aquela pessoa estava efetivamente preocupada com que eu aumentasse aqueles dígitos tão importantes. Ah, e caso a fotografia não tenha “suficientes likes“, seja lá o que isso for, não é merecedora de estar no perfil. Não faz mal, tenta-se numa outra hora em que haja mais pessoas a navegar o Instagram para ver se tem mais “sucesso”. Eu compreendo este comportamento em pessoas que vivem do Instagram, ou seja, aquelas que o fazem de maneira profissional. É uma questão de marketing quase, as horas em que os conteúdos são publicados variam fortemente o seu sucesso e isso é um facto. Agora, a Maria de Gondomar que decidiu ir a Gramido correr e postou uma foto no espelho com um batido de proteínas não é propriamente o que chamamos de influencer, mas ela jura que se não tiver suficientes likes, será um falhanço na vida.
Ah, e os ilustres que compram bilhetes para festivais de verão e decidem passar o tempo TODO a documentar o festival, perdendo completamente a experiência? Eu não julgo quem quer tirar umas fotos e uns vídeos para ficar registado e poder revisitar mais à frente, mas não é preciso levantar o telemóvel na primeira música e estar a gravar até ao encore. Até porque vos garanto que a gravação oficial do concerto estará algures na internet. A minha preocupação com isto é que cada vez mais os festivais têm mais gente, mas cada vez menos há festivaleiros. Há influencers, há quem ache que é influencer, e depois há aquele pequeno grupinho que vai aos festivais pela música e não para dizer “Eu estive aqui!”. Qual é o interesse, questiono-me eu, de fazer todo o esforço de comprar um bilhete e ir a um festival só para lá ir e tirar uma fotografia, sem conhecer ou ter interesse em conhecer um único elemento do cartaz?
Confesso medo, meus caros. Muito medo. Dentro das nossas bolhas e círculos próximos não se sente o impacto tão grave, uma vez que tendemos a rodear-nos de pessoas próximas de nós e semelhantes em certos comportamentos. Mas assim que atingimos níveis mais alargados dos nossos círculos sociais, percebemos que esta é uma realidade que cresce cada vez mais e que assola as camadas mais jovens da sociedade, o dito “futuro da pátria”. Irá isto implodir num futuro próximo? Ou ainda não vimos nada do que é a “tirania das redes sociais”? Só o tempo dirá.