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Artigo de Opinião

E O DIREITO A DESCARTAR AS “BEATAS”?

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Questão pertinente esta que se coloca após a aprovação na generalidade do Projeto de Lei n.º 1214/XIII/4ª apresentado na reunião plenária de 14 de junho pelo PAN. O partido ambientalista pretende a proibição e consequente aplicação de coimas, que poderão variar entre 200 a 4000 euros (valores debatidos na sessão parlamentar) consoante a situação de negligência ou dolo, a quem descartar “pontas de cigarro, de charuto ou outros cigarros” na via ou quaisquer espaços públicos, com fundamento na proteção ambiental, na saúde pública e num polémico garrafão de plástico.

Atendendo ao texto expositivo que antecede o projeto propriamente dito, “segundo as organizações Beata no Chão Gera Poluição e Portugal sem Beatas, no nosso país são atiradas estimadamente para o chão 7 mil beatas de cigarro a cada minuto, uma quantidade elevadíssima que nos deve mobilizar a encontrar soluções”. Contudo, este leque de tão pretendidas soluções peca por inadequado, e em diversos aspetos, se não no seu todo, começando, desde logo, pela atribuição de coimas, o que automaticamente contribui para a sobrecarga das autoridades públicas ou outras entidades habilitadas por lei no exercício do ato de fiscalização, já para não falar da discutível instigação a um Estado policial de menor âmbito, chamemos-lhe assim, ainda que na esfera do direito de ordenação social.

O problema não cessa, no entanto, por aqui, muitas outras são as adversidades visíveis no texto do projeto legislativo do PAN que me levam a crer que, caso não se verifiquem alterações, se dê por reprovado o diploma. Por um lado, a questão da “ecotaxa” é assunto que me repulsa, justamente pelo facto de, conforme o que consta no projeto de lei,  ser aplicada uma taxa ao produtor de tabaco cuja razão de ser é “custear ações de sensibilização, formação, limpeza e recuperação de ecossistemas”. Ora, as ações de sensibilização, bem como qualquer outra atividade da mesma natureza, devem ser promovidas tanto pelo Estado, em especial as autarquias ou as Regiões Autónomas, como por qualquer outra entidade ou pessoa (associações ou movimentos, etc.) sobre todo e variado tipo de matérias, ficando os custos inerentes a quem as promove ou às suas condições. Assim sendo, destinar taxas aos produtores de tabaco seria atentar contra os princípios solidários que movem este tipo de causas, seria obrigar determinado setor de produção a financiar eventos que constituem a finalidade de uma outra organização alheia e destronar, em certa medida, a moderação fiscal.

Por outro lado, temos, também, os valores ilógicos atribuídos às coimas, podendo variar entre 200 a 4000 euros consoante a situação de dolo ou negligência do agente ou a outras especificidades atinentes ao caso concreto. A este respeito, reforçam-se duas ideias: em primeiro lugar, apenas pelo simples facto de se pretender sancionar dada pessoa, já faz com que o tema careça de um amplo debate na especialidade; em segundo lugar, existe uma clara desproporcionalidade entre o valor pecuniário da coima a aplicar e o correlativo perigo a evitar, sendo que, construindo um episódio hipotético, se um condutor incorre na prática de uma condução perigosa por excesso de velocidade, que pode, eventualmente e no pior dos casos, importar violações a bens jurídicos como a vida, acabará por pagar uma coima de 120 euros, todavia, se o mesmo condutor, no preciso momento da prática do facto anterior, descartar a ponta de um cigarro pela janela do veículo automóvel, terá, então, de pagar 200 euros, no mínimo, de coima acrescidos. Situação inconcebível e igualmente debatida na reunião plenária de 14 de junho.

Por fim, destaco, somente, os artigos 3º e 4º do diploma, quanto à sensibilização do consumidor e do produtor, e faço-o pelo motivo de achar seriamente discutível a imposição que se faz ao governo de desenvolver e promover as referidas ações de sensibilização, tal como expus anteriormente, e por tomar de mau senso a credibilidade que o documento transmite a quem o analisa de que os hábitos ou usos sociais se alteram dentro de um período transitivo de um ano a contar da data da entrada em vigor da lei sem que antes tenha havido, efetivamente, uma verdadeira sensibilização da população. Isto é, aplicar coimas após o referido prazo sem que antes se tenham colocado e publicitado, devidamente, os equipamentos de deposição de resíduos, nomeadamente os cinzeiros, e promovido, portanto, a omissão da conduta.

Mas então e o direito a descartar as “beatas”? Perguntavam-me há uns dias. Poder-se-á dizer que não se trata propriamente de um direito, mas sim de uma liberdade de optar por adotar uma certa conduta. Desprovida, ou não, de ética e de bons tratos sociais, não deixa de ser uma liberdade de comportamento. O que para aqui importa, é que o exercício dessa liberdade se dá em detrimento de muitas outras, bem como da proteção ambiental (a qual se deve ter em elevada consideração, atualmente), e obsta ao bem-estar social, pelo que deve ser repelida através de meios adequados. O único impasse é que esses mesmos meios estão, certamente, ainda em falta.

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