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Crónica

PORNOGRAFIA PARA FEMINISTAS

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Agora que o título espampanante te fez, leitor, clicar no artigo, tentemos ser sérios.

É legítimo afirmar que a explosão do Instagram e do feminismo são acontecimentos temporalmente contemporâneos. Se o primeiro agudizou aquele sentimento inconsciente da sociabilidade de se parecer melhor do que se é, o segundo veio requestionar alguns velhos tabus da nossa existência enquanto seres comunitários. Na esfera mediática, contudo, resistem ferozmente esses tabus seculares, milenários, assimilados pela nossa cultura e religião durante tempo demais, um dos quais: sexualidade.

Se o leitor vislumbra sexo e sexualidade como uma e a mesma coisa, pode parar de ler aqui.

Comecemos por parar de negar o óbvio: nos dias de hoje, qualquer jovem ocidental tem um acesso amplamente livre e fácil à internet, algo novo face à geração anterior. Essa maravilha que é a internet livre veio colocar (literalmente) a nu uma imensidão de conteúdos audiovisuais de carácter pornográfico, acessíveis a qualquer utilizador comum. Numa rápida pesquisa, encontram-se bastantes artigos, quer de opinião, quer de análise científica, sobre a forma como a pornografia alterou as relações de intimidade. Os seus efeitos estão mais do que estudados pela neurologia, psicologia, medicina, sociologia, e demais ciências. Poderia ser uma boa notícia, mas não é: a iliteracia sexual continua a ser uma realidade dramática. E onde entram o Instagram e o feminismo aqui? Acabam por ser dois motores contrários, um de retrocesso, outro de progresso. Se o Instagram alimenta a aparência canónica e esconde os tabus – com uma preocupante banalização do corpo sexual por arrasto –, o feminismo tem, a meu ver, a chave da educação sexual nas suas mãos, se a souber usar – não em proveito próprio, mas em proveito da experiência a dois (ou a três, quatro, não importa ao caso). Estamos no tempo histórico certo para assistir a uma revolução da consciência sexual, enquanto cidadãos e enquanto comunidade.

Em primeiro lugar, é naturalmente importante um maior controlo – diferente de proibição – do acesso à pornografia. Esta tem alterado drasticamente e de forma nefasta o modelo das relações sexuais. Se o primeiro contacto que um jovem tem com o sexo é através da pornografia – e sabemos que este é o cenário mais normal nos nossos dias –, tal produz consequências decisivas na sua conceção de sexualidade. A tentativa de replicar os comportamentos visualizados é inevitável, perpetuando as práticas, na sua maioria desatualizadas, propostas por esses conteúdos. Porém, por mais estranho que possa parecer, creio que não é esse o maior problema. Não seria particularmente grave o primeiro contacto com a sexualidade ser através da pornografia, caso esta não perpetuasse estereótipos machistas gravíssimos, sobejamente conhecidos: mulher colocada como objeto do desejo sexual masculino, ausência de reciprocidade na estimulação sexual, dominação violenta e desrespeitosa por parte do homem. Muito por aqui se justifica que há duas vezes mais consumidores de pornografia masculinos do que femininos. Por acréscimo, estudos demonstram que a mulher heterossexual é a orientação sexual que menos orgasmos atinge. A razão é simples: não existe pornografia para a mulher do século XXI!

(Faço um parêntesis para reiterar que não há qualquer desvalorização da comunidade LGBT. Como a pornografia produzida para servir essas orientações sexuais é residual, opto por não as mencionar. Opto, não esqueço.)

Para uma mulher heterossexual que pretenda a recreação sexual autónoma, resta-lhe a opção da mulher-objeto, da mulher submissa à custa da violência exacerbada. A indústria pornográfica ocidental ainda não foi capaz de perceber que dominação e submissão podem ser recíprocas, de parte a parte. Não foi também capaz de abandonar os de certo modo infantis estereótipos relativos à dimensão dos falos como fator de maior satisfação feminina, passando pelos estupidamente forçados e inverosímeis enredos, até à exageradíssima disposição feminina para o ato sexual. Mas só isto já seria material grande o suficiente para satisfazer um artigo inteiro.

Infelizmente penetramos num círculo vicioso: se os homens consomem mais pornografia, então, do ponto de vista da rentabilidade, faz sentido produzir conteúdos do seu agrado. A economia de mercado é, neste caso, um adversário implacável.

Ao invés, se deixamos a literacia e a educação sexual entregue e abandonada à pornografia, porque não fazer dela um instrumento de progresso social? Há uma imensidão de estudos disponíveis para quem quer aprender mais sobre o assunto, mas o tabu esconde esses estudos dos cidadãos comuns, dos espaços de debate onde deveriam ser noticiados e comentados. Porque o tabu diz que falar de sexo é obrigatoriamente uma ordinarice. Há um elefante tão grande na sala que o rabo nem passa na porta. O tabu. Sempre o tabu…

Artigo de João Pedro Mendes. Revisto por Adriana Peixoto.