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Artigo de Opinião

A QUEDA DO ANJO: SINAIS DOS TEMPOS?

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Recentemente, a manequim Shanina Shaik anunciou que o célebre desfile anual da Victoria’s Secret, “Victoria’s Secret Fashion Show”, que existe há 24 anos, não iria acontecer este ano. As quedas sucessivas nas audiências (em 2001, quando da sua primeira exibição televisiva, o desfile apresentava 12,4% das audiências. Em 2018, este número foi de 3,3%) podem ser causadas pelas quebras da televisão generalista no geral. Mas foram sobretudo os sucessivos faux-pas da (ainda) marca de lingerie lider nos EUA, os responsáveis pelo que parece mesmo ser o fim não só da exibição televisiva, mas também do próprio “Fashion Show”.

Numa altura em que as marcas primam cada vez mais pela consciencialização da importância da representatividade, da diferença e da tolerância, em que a comunicação efetuada é quase tão importante como o produto apresentado e em que se nota um verdadeiro esforço para que haja uma verdadeira inclusão e sentido ético, a Victoria’s Secret parece estar a ficar para trás.

Exemplo disso são as declarações para a revista Vogue de Ed Razek, diretor de marketing da marca que pertence ao grupo L Brands (cujas ações também se encontram em declínio). Em novembro passado, Razek declarou que não tencionava incluir no desfile modelos plus-size ou transgénero. Juntando isto às críticas à falta de variedade de tamanhos das roupas teve consequências desastrosas, tanto a nível de marketing, pela sua evidente má receção, como a nível económico, pela quebra das vendas.

Em 2019, a marca declarou que iria fechar 53 lojas. Para além disso, de acordo com estudos efetuados pela Piper Jaffray, analista dos hábitos de compras dos adolescentes, a Victoria’s Secret e a sua sub-marca PINK, mais focada nesta faixa etária, já não são as preferidas, pela primeira vez em muitos anos.

Provavelmente há 20 anos estas declarações não teriam tido o mesmo efeito, não só pela atual amplitude que a internet confere ao que é dito ou feito, mas também pela verdadeira mudança social que parece estar a acontecer.

Marcas de lingerie como a aerie, que pertence à American Eagle ou como a Harper Wilde, que estima que 30% dos seus clientes sejam antigos compradores da Victoria’s Secret e ainda a Savage x Fenty, desenhada e idealizada por Rihanna, uma das mais célebres artistas e também ativista pela igualdade e representatividade, encontram-se em permanente crescimento. O que estas marcas têm em comum é uma grande noção dos pedidos do mercado que pretendem atingir e boa capacidade de adaptação e seguem também o movimento body positive, que procura diversificar o tipo de corpos femininos observado nos media e representar todas as mulheres. As campanhas de marketing mostram mulheres de todas as formas e feitios e evitam o célebre “Photoshop”. Para além disso, a roupa interior é confortável, uma das principais preocupações atuais das clientes de lingerie.

Vários analistas, como Randal Konik ou Oliver Chen, não preveem um futuro animador para a marca. Konik afirmou que o desfile da Victoria’s Secret, célebre pelas famosas Angels, as modelos eleitas da marca, ilustra quanto a marca está alheia à realidade e às tendências sociais contemporâneas. Chen acredita inclusive que a empresa vai demorar anos a recuperar os números do passado recente

A Queda do Anjo é, então, um verdadeiro sinal dos tempos e a prova de que, atualmente, uma marca não pode limitar-se ao que vende, por mais apelativo que seja o seu produto. A comunicação, a imagem e a consciência social fazem parte do “embrulho” geral da oferta, tendo que situar-se sempre no contexto político e sociológico do momento. Se não o fizer, nem repensar a sua imagem num mundo cada vez mais voraz e ansioso por novidades e inclusão, corre o risco de ser posta de lado pelos consumidores/as. As marcas têm que estar atentas à crescente importância da chamada “praça pública global”, veiculada pelos meios tecnológicos, que, de um momento para o outro, podem mudar a perceção de empresas ou pessoas. A Victoria’s Secret é mais um exemplo dessa tendência crescente na sociedade, na cultura e no mundo dos negócios.

Artigo de Francisca Costa. Revisto por Adriana Peixoto.

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