Artigo de Opinião
A PROPÓSITO DO DESPACHO SOBRE A IDENTIDADE DE GÉNERO
O furor gerado em torno da nova lei de identidade de género vai já bem mais além do meio político e, como qualquer polémica que queira fazer jus ao século XXI tem sido intensamente debatida no “ambiente académico” das redes sociais. Pelo menos estamos a usar as redes sociais para discutir temas que realmente merecem a nossa atenção e não apenas para “lavar roupa suja”, salvo a expressão. Já é uma evolução.
Contudo, e dada a falta de informação, o tema não está a ser discutido da forma mais correta. Outro fator que tem dificultado o seu entendimento foi o momento de aprovação deste despacho, a menos de um mês do início do ano letivo, uma vez que é sobre o ambiente escolar que o despacho se debruça. Este vem definir e explicar como deve o novo diploma de identidade de género, aprovado em 2018, ser aplicado nas escolas. A segurança em ambiente escolar é um assunto sensível, a identidade de género é um ainda mais sensível e recente; o cocktail daqui resultante só podia gerar o pânico, sendo Portugal como é.
Os abrangidos por este despacho serão os adolescentes entre os 16 e 18 anos que se encontrem a enfrentar um processo de mudança de género, e poderão optar qual a casa de banho ou balneário que preferem usar; ver o nome por si escolhido (e não o que está nos seus documentos oficiais de identificação) nas pautas de notas, o que não interferirá com as situações onde o respetivo documento de identificação seja exigido, como o ato de matrícula ou nos exames nacionais; nos casos das escolas usarem fardas escolares, poderem optar pela qual se sentem mais confortáveis, em conformidade com o processo pelo qual estão a passar.
As mudanças introduzidas pelo diploma são de todo impactantes. A verdade é que, apesar da necessidade deste despacho, este continua a ser um assunto delicado aos olhos de muita gente e tem de se ter isso em consideração, especialmente quando estamos perante o ambiente que se vive numa escola e com as idades já supra mencionadas, com adolescente constantemente bombardeados com problemas e inseguranças despoletados desde a puberdade e que por longos anos se prolongam. O objetivo e a ideologia do despacho é bom, a sua aplicação é que não foi bem ponderada, não tendo o legislador tido os cuidados e a sensibilidade que um assunto como estes merece, deixando algumas pontas soltas. A insegurança aqui proporcionada foi a principal fonte de críticas políticas, passando a citar Francisco Rodrigues dos Santos, líder da Juventude Popular, uma “investida aventureira e radical”, uma tentativa de transformar “A escola não é um acampamento de verão do Bloco de Esquerda” (intervenção desde já discutível).
A alteração que mais polémica tem gerado é, sem dúvida, a relativa ao uso das casas de banho e balneários, dada a sensibilidade e intimidade envolta na situação. Contudo é importante focar que a lei não vai transformar o acesso aos balneários discricionário, sendo que o disposto no presente diploma só será aplicado relativamente a adolescentes cujos pais tenham dado autorização, e que estejam a passar pelo processo de transição de género, permitido a partir dos 16 anos, ou se preparem para o fazer.
Desde diversas petições com já milhares de assinaturas contra o despacho a intervenções e picardias partidárias levadas a cabo pelos líderes dos partidos, de entre alegadas violações de Constituições a condicionalismos morais ao texto da lei, o respeito pela diferença e valorização dos seres humanos, que é o bem jurídico que o despacho visa salvaguardar, está a ser desvalorizado.
O que é realmente pretendido pelo Estado com o diploma é a adoção de medidas de prevenção e de combate contra a discriminação, assegurando e despoletando os mecanismos de deteção e intervenção em situações que coloquem em perigo os jovens que não se identificam com o sexo atribuído à nascença, protegendo-os contra qualquer forma de exclusão social e mesmo violência, em contexto escolar, passando isto pela formação de todos os profissionais do sistema educativo.
O despacho vem acelerar a situação de discriminação proporcionada pelo próprio processo de mudança de género. O termo “transexual” é, em si, uma terminologia discriminatória pois quando alguém não se sente confortável no corpo com que nasceu e pretende mudar de género, para homem ou para mulher, não pretende passar a ser chamado de transexual indeterminadamente mas sim de homem ou mulher, e esta é a vontade que deve ser respeitada, o interesse que se pretende salvaguardar.
Artigo de Francisco Lima. Revisto por Adriana Peixoto.