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Crónica

DEIXEM O SEXO EM PAZ

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Sou virgem. Tenho múltiplos parceiros sexuais. Estou há anos comprometida com a mesma pessoa. Qual destas opções me dá mais valor aos vossos olhos?

Vamos falar sobre sexo. Mais especificamente, “a primeira vez”, “o perder dos três”, ou seja qual for o eufemismo que se use lá em casa. Este tema está em todo o lado, perde-se a conta à quantidade de filmes centrados em adolescentes excitados que fornicam tudo e todos (tragicamente irrealista) e no entanto quando vamos ter uma discussão sobre o tópico, paira sobre ele uma nuvem de vergonha e dúvidas, e todo o conceito só serve para nos julgar e determinar o nosso valor.

O que é sequer a virgindade? É a primeira vez que temos relações sexuais? Isso inclui um vasto leque de atividades. A definição mais comum é a primeira vez que se pratica sexo penetrativo, mas isso é uma ideia muito heteronormativa. Uma mulher que só tenha relações com outras mulheres é virgem para sempre? As experiencias dela não contam ou são menos válidas? E como se perde algo imaterial e porque falamos de um conceito como se fosse um objeto? “Eu dei-lhe a minha virgindade”. “Eu perdi-a”. “Eu tirei-lha.” Ninguém tem o direito de me tirar seja o que for.

Ainda por cima parece que ninguém tem a coragem de dizer as coisas como são. Primeiro avisam-nos que vai ser desconfortável, que a primeira vez nunca é boa e que é normal doer e sangrar – uma noção que para além de mentira é prejudicial, pois quando chegar o momento, se estiver a ser doloroso, não vamos colocar nenhuma objeção, vamos apenas aguentar o desconforto porque ensinaram-nos falsamente que era normal. Depois de nos assustarem, dizem que é um momento especial e que temos de esperar pela altura certa e pela pessoa ideal, colocando assim uma pressão desnecessária a toda à situação.

Se quisessem ser honestas diziam que as únicas coisas realmente necessárias para a prática do sexo são consentimento, contraceção e um elástico para o cabelo. E se quisessem ser realmente honestas avisavam que 90% dos casos podem ser parafraseados com “durou menos de 3 minutos e no final ele ainda teve a coragem de perguntar se também me vim”.

Mesmo agora que é geralmente aceite que nem todas escolhemos permanecer puras e castas até ao casamento, e “perder a virgindade” já não traz a desonra para toda a nossa família, continua a haver uma janela de tempo para o fazer de forma aceitável aos olhos de terceiros.

Fá-lo demasiado cedo e és uma miúda promíscua, demasiado nova para fazer esse tipo de coisa. Um dia ninguém te quer. Mas vê lá também não esperes a vida toda! Como assim nunca tiveste sexo? Tens padrões muitos altos ou és apenas pudica? Assim também ninguém te quer. Nem vamos falar de pessoas assexuais ou que decidem viver em celibato porque devem ter algum problema, coitadinhas.

Todas estas suposições chegam ao seu pináculo quando, para além de julgarem o nosso carácter com base naquilo que fazemos, ainda julgam com base no que dizemos. Desde a minha pré-puberdade que oiço rapazes a gabarem-se das suas vidas sexuais maioritariamente inventadas (para ser justa, isto deve-se maioritariamente ao facto de estes desde cedo sentirem mais pressão para serem sexualmente ativos), mas para nós é segredo de Estado. Também não vamos fingir que ninguém fala sobre isso, todas sabemos sobre as aventuras da amiga, mas depois se a amiga seguinte não se sente confortável em partilhar, é criticada por ser frígida. Presas por ter cão e presas por não ter. Presas por falar sequer sobre o cão.

O meu objetivo aqui não é incentivar-vos a participar em orgias e de seguida fazer uma leitura dramática do que aconteceu nas mesmas. Mas, se o quisessem, seja feita a vossa vontade que tem de ser respeitada, tal como tem de ser respeitada a vontade de quem escolhe não ter sexo, ou de quem escolhe fazê-lo exclusivamente em missionário e sempre com a mesma pessoa. Apenas deixem o sexo em paz.

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