Devaneios

MAIS FRACOS CONTRA TUDO

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Na escola primária que frequentei, havia esta tradição de ir a correr para a rua assim que tocava a campainha para o intervalo, para podermos aproveitar o máximo de tempo a jogar à bola. Era sempre igual, a escola dividia-se e durante 15 minutos nada mais existia para lá das limitações daquele campo. Apenas uma bola de futebol que algum miúdo levou e uma mancha de cerca de 40 crianças, todas prontas para serem injetadas de dor e cansaço até à próxima aula. É então que se ouve um forte rugido, tão forte quanto o que o corpo de um menino pequenino consegue libertar: “4º ano contra tudo!”.

Fui introduzido a este ritual no meu 1º ano, e assim começou o desejo de querer crescer para que um dia seja eu a estar do outro lado a lançar o meu grito de guerra. Estimo que os alunos do 4º ano fossem por volta dos 10, 10 contra 30, mais ou menos. Apesar da grande diferença numérica, de alguma maneira eles acabavam sempre por ganhar, eram mais espertos, mais fortes, mais poderosos, eles governavam aquele espaço.

Os anos foram passando. Finalmente alcancei o patamar de divindade! Que bem que me sabia ver à minha frente uma multidão enfraquecida, com medo de mim, aguardando a sua sentença! Obviamente digo isto de forma irónica. O mundo, visto deste lado, transforma-se numa realidade diferente. Eu já estive ali, sei o quão mau era, não podes esquecer isso só porque agora vives no meio do luxo e do poder, sem quaisquer preocupações.

Chegou então a hora do grito dos crescidos do 4º ano. Impingindo medo no coração dos mais fracos, dá-se início a mais um jogo. Aqui estou eu, no lado vencedor. Não gosto de estar cá. Aqui, tudo o que importa é ser o melhor, individualmente. 10 pessoas juntas, numa equipa, 10 mentes separadas. Como seria o futuro se estas cabeças se unissem numa só, deixando de lado os valores individuais que cultivam, semeando um interesse coletivo? Nem pensar, isso nem é questão que se coloque. “Só eu é que interesso! Desde que seja eu a marcar golo está tudo bem! Olhem para mim, sou o maior, mesmo não tendo mérito algum para estar onde estou!”

Não me aguentei nem 1 segundo ao lado dos “melhores”. Não quero saber se alcancei o nível hierárquico de topo, não vou contribuir para esta discrepância, injusta, enraizada nos valores egoístas de uma mente iluminada que um dia achou por bem que a minoria dos mais fortes se devia unir, apenas para ver o seu povo sofrer. Assim, dirijo-me para o outro lado do terreno.

Tradição. É tradição, sempre foi assim, foi assim desde sempre, não se pode mudar, é a única maneira que há. Porquê? Já aceitaste que tem de ser assim? Já fechaste os olhos às soluções? Eles dizem que é assim, por isso assim será. Já não queres pensar mais com a tua cabeça, dá muito trabalho, não é? Assim seja, mas eu não vou aceitar isto. Estais conformados? Desistiram todos de lutar, foi? Parece que estou sozinho, e, enquanto cá estiver, vou lutar pela mudança, mesmo que mais ninguém seja capaz de acreditar que é possível.

De braços e mente aberta, sempre disposto a acolher quem quer que deseje juntar-se a esta comunidade, digo, agora: “Mais fracos contra tudo!”

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