Crónica

SISTEMA NACIONAL DA DOENÇA

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Sirenes. Estou farta de sirenes. Mais parece que a música de fundo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto é a sinfonia harmónica das sirenes e o cantar das gaivotas zangadas com a vida. Pergunto-me se o hospital tem possibilidade de atender tantos pacientes. E que se, quando os atendem, é da melhor forma possível.

Imagino o caos das urgências. Pernas partidas, cabeças rachadas, ombros deslocados e fraturas expostas. E depois aquelas pessoas com dores de cabeça, barriga ou apenas uma dor de costas. Qual será a importância que os médicos dão àquelas pessoas que ficam encostadas no canto? Quantas delas melhoram?

Conheci um caso nas urgências. Uma mulher aparecia todos os dias nas urgências. Alegava sofrer de um sangramento contínuo. A senhora ficava lá, tratavam o problema e ia embora. Afinal, era apenas sangue. Um dia alguém decidiu dar-lhe atenção, a senhora foi vista pelo médico. Passaram-lhe uns exames. Quando os resultados chegaram, a notícia não foi feliz, era cancro. Fácil de operar e com alguns tratamentos de quimioterapia e radioterapia podia estender um pouco mais o período da sua vida. No entanto, a resposta dos médicos não foi a melhor: “não podemos operá-la, por agora. Tem de ficar em fila de espera.”

Para mim, é como se me dissessem: “olhe, tire umas férias durante uns três mesinhos, porque não a podemos operar”. Como é que os médicos não operam alguém quando é preciso? É de conhecimento geral que os hospitais estão sobrecarregados, que os médicos têm muito trabalho e que não há cama para todos os doentes. Mas não é desculpa. Um médico deve sempre o que for melhor para o paciente. E, neste caso, não era deixar a senhora em fila de espera.

Se calhar, se alguém tivesse feito alguma coisa, esta história tinha um final feliz. Mas nem tudo é um conto de fadas e esta mulher ficou esquecida num sistema nacional. Que nos devia proteger e cuidar de nós. Num sistema que mais parece o Sistema Nacional da Doença. Até porque se a senhora fosse prima do Francisco Pinto Balsemão, podia ter recorrido ao serviço particular e era tratada com todos os cuidados possíveis.

Esta mulher morreu. E a culpa não é dos médicos. O diagnóstico foi feito, os cuidados foram prestados e a solução foi encontrada. O que separou esta mulher de a possibilidade de viver foi uma fila de espera. Uma porcaria de uma fila de espera.

Excelentíssima doutora Marta Temido, antes de dizer que não há falta de médicos, pense nesta senhora que morreu e lembre-se que ela não morreu por causa da doença. Mas pela fila de espera. Fila de espera que é, no fim, controlada pela ministra.

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