Artigo de Opinião

DEPOIS DO COVID-19

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O que temos quando nos tiram tudo? O que resta da Humanidade quando afastam de nós aquilo que nos torna humanos?

Encontramo-nos perante uma situação de crise. As escolas e universidades fecham, as lojas têm lotação limitada, os parques, museus, cinemas e centros comerciais vão acabar por encerrar e, acima de tudo, as pessoas têm que evitar o contacto umas com as outras.

Saídas a bares, idas a concertos, almoços e jantares de aniversário, abraços, beijos e toques estão quase proibidos. Planos foram desmarcados, almoços adiados, amigos separados, casais afastados e famílias evitam o contacto o máximo possível, a não ser o estritamente necessário.

Quando não podemos estar perto uns dos outros, quando não podemos rir até chorar ou chorar até rir, quando não podemos partilhar histórias com a família, quando não podemos ter conversas com amigos até tarde, quando não podemos dar a mão ao nosso namorado, quando o ar puro e a relva fresca se tornam uma ameaça, o que resta de nós?

Temos os livros, temos os filmes, temos as séries, temos a pintura e o desenho ou qualquer outro tipo de atividade lúdica que queiramos fazer. Mas não temos as pessoas, não temos a inspiração, não temos a vontade.

Passamos horas, dias, meses a desejar ter uma pausa e quando a temos, por força das circunstâncias, não há coisa que desejemos mais do que voltar à nossa rotina, ao trabalho aborrecido ou às aulas demoradas, ao trânsito e aos dias de chuva, aos dias intermináveis, às noites mal dormidas porque os compromissos são cedo na manhã seguinte.

Momentos que, outrora, nos eram garantidos e que estavam à distância de uma chamada ou de uma mensagem, agora são distantes e preciosos. Engraçado como a tecnologia nos aproxima e, ao mesmo tempo, nos afasta. Criamos a ilusão de proximidade, através de um ecrã. Videochamadas, mensagens de áudio ou escritas deram-nos a sensação de que estávamos sempre juntos, e, agora, quando somos obrigados a estar separados, para nos proteger, é que vemos que isso não passava tudo de areia fina, que nos escorrega entre os dedos.

Quando não podemos olhar as pessoas olhos nos olhos, sem a distância de uma tela, é que vemos que, realmente, não estamos protegidos e que não somos tão invencíveis quanto achamos que somos. O nosso poder é frágil, como nós. O que somos nós, seres de carne e osso, perante a natureza, perante a biologia ou perante o simples ordenamento das coisas?

De que servem todos os computadores do mundo se o restaurante onde costumamos ir com as pessoas que amamos está vazio? De que servem os telemóveis de última geração se existe a possibilidade de vermos aqueles mais próximos de nós numa cama de hospital?

De que serve tudo o que temos se as pessoas não existirem para o utilizar? De que servem os livros, que contam histórias épicas e de amor, se estivermos sozinhos no mundo? De que servem os filmes, que nos transportam para outro universo, se o único lugar que conhecemos são as paredes que nos encurralam e ao mesmo tempo nos protegem do “vírus”?

O autor da famosa série “Twilight Zone”, Rod Serling, apresenta, no seu primeiro episódio, exibido em 1959, Where is Everybody?, uma situação que nos obriga a refletir sobre o mundo de hoje: um astronauta, sem o seu conhecimento, é colocado em isolamento, numa caixa e é, durante vários dias, monitorizado pelo exército norte-americano. No final do episódio, o General, responsável pelo projeto científico, explica que foi possível simular e dar-lhe tudo, nesses dias de isolamento, menos a necessidade mais básica e profunda: contacto humano.

Tudo isto serve de muito pouco, se não nos temos uns aos outros.

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