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Artigo de Opinião

Pandemia e luta de classes no Brasil governado por um psicopata

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De acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Brasil possuía pouco mais de 57.324.167 milhões de domicílios. Destes, um quinto (11.173.701) eram ocupados por um número de 5 a 14 pessoas. Após dez anos, os dados são decerto outros. O número de domicílios existentes atualmente ronda os 70 milhões. Porém, é bem provável que a situação presente em termos de ocupação não seja dramaticamente diferente e por isso mantenho os dados do último censo.

A distribuição é a seguinte:

5 moradores = 6.130.268 domicílios.
6 moradores = 2.643.521 domicílios.
7 moradores = 1.194.130 domicílios.
8 moradores = 586.063 domicílios.
9 moradores = 285.894 domicílios.
10 moradores = 158.315 domicílios.
11 moradores = 76.461 domicílios.
12 moradores = 43.904 domicílios.
13 moradores = 22.489 domicílios.
14 moradores = 32.654 domicílios.

Do total de domicílios, aqueles que tinham rendimento nominal per capita de ATÉ dois salários mínimos eram 78%, ou 44.839.041. O salário mínimo à época era R$ 510,00. Hoje, é R$ 1.045,00. 1 dólar equivale na cotação atual a R$ 5,05. Um salário mínimo brasileiro equivale, portanto, a 206,9 dólares, e dois a 413,8 dólares. Ninguém come dólar, mas, como não se cansa de repetir, e neste caso bem, Ciro Gomes, pão é trigo e trigo é dólar, remédio é química e química é dólar, gasolina é petróleo e petróleo é dólar, etc. Isto é para se ter uma noção de como a alta do dólar afeta a população brasileira submetida à lógica do paradigma consumista: para ser cidadão é preciso, em primeiro lugar, ser consumidor.

É essa gente que terá de fazer quarentena.

Felizmente, algumas situações sanitárias de 2010 melhoraram bastante face a 2000. Os 17% de domicílios sem nenhum banheiro diminuíram para menos de 3%, mesmo com o número total de domicílios aumentando em mais 13 milhões nesse período.

Mudando de foco/variável:

Há um enorme problema das longas, complicadas e concorridas modalidades coletivas de deslocamento pendular das pessoas e as suas imediatas necessidades de o fazerem. Trajetos ao trabalho e à escola, para uma grande quantidade de pessoas, podem durar horas e dependem de estruturas e veículos normalmente sobrecarregados. Junte-se a isso as pessoas em situação de rua, que só em São Paulo são 24 mil. De acordo com matéria de 2018 da BBC, o país possui 6,9 milhões de pessoas sem casa e 6 milhões de casa devolutas HÁ DÉCADAS. E há também os quase 12 milhões de desempregados (11%) e os 38,5 milhões de pessoas dependentes de trabalho informal, sem carteira assinada, sem fazer descontos (41%).

Agora olhemos para a situação atual de quarentena e a necessidade de medidas de mitigação e, mais do que isso, de supressão para evitar que o coronavírus atinja uma gigantesca parcela da população e resulte em mortes que podem passar de um milhão. Tudo isso em meio a um cenário político em que a completa insanidade do Presidente da República tem obrigado os estados a praticamente se organizarem entre si, como uma federação efetivada à margem da inoperância, incompetência e destrambelhamento da presidência – a propósito, Bolsonaro acaba de ser considerado o líder mais ineficaz do mundo para lidar com a pandemia –, embora o Ministério da Saúde pareça estar CONTRARIANDO o desdém criminoso do chefe do executivo e agindo conforme as recomendações da comunidade científica e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, o Brasil parece começar a agir à altura do problema APESAR de Bolsonaro, que tem toda uma linha do tempo de desprezo acintoso face ao real perigo. A incapacidade de Bolsonaro é tanta que há quem defenda a sua submissão a “exame de sanidade mental”, como é o caso do jurista Miguel Reale Júnior, que, ao contrário do que muitos poderão pensar, não só não pertence ao Partido dos Trabalhadores (PT) como foi um dos autores do pedido de Impeachment (que eu chamo golpe) da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Talvez o completo descalabro daquele que, por desgraça e de forma quase inacreditável, ocupa (ainda) o posto de mandatário principal do país possa fazer surgir algo muito além do tal “parlamentarismo branco”, como novas formas de pensar a descentralização do poder e um maior empoderamento de regiões, estados, municípios e comunidades, de unidades administrativas mais próximas à vigilância e à participação dos cidadãos. Mas nada surge automaticamente e nem vem de cima, é preciso organização dos de baixo. A sociedade que sair do outro lado deste sombrio túnel que teremos de percorrer por meses depende de muita reflexão, de muita assimilação teórica e de muita luta social, ainda que fomentada por focos praticamente atomizados ou organizados virtualmente nas plataformas digitais. Talvez seja, também, o momento de subvertermos as redes sociais utilizadas pelo bolsonarismo e pela extrema-direita internacional para propagar o vírus do medo, da ignorância e do ódio por meio de engenhosos mecanismos de desinformação. Ocupemos, portanto, o ambiente virtual sem esquecer dos “janelaços” ou “panelaços” a partir das nossas casas, que são formas de nos ligarmos diretamente, sem meandros informáticos, aos nossos vizinhos e à nossa comunidade. Mas, repito, tudo isso deve ser feito com a consciência de que o mundo mudou e permanecerá mudado, e que a sua nova forma dependerá daquilo que soubermos reivindicar coletivamente.

Com o agravamento da situação nos próximos dias e semanas, com as atividades produtivas parando e as pessoas correndo o sério risco de perder as suas fontes de rendimento, ao mesmo tempo em que o baronato – silêncio para essa grande descoberta – percebe que o trabalhador é realmente quem tudo produz, a ideia de Renda Básica Universal pode vir a inaugurar uma nova era, um novo paradigma que se faz tão necessário quanto a própria vacina contra o coronavírus, e que terá de remeter o neoliberalismo ao museu da vergonha humana para de lá não mais sair. Assim, políticas públicas de serviços universais poderão voltar a ser compreendidas como imprescindíveis pela sociedade. Para isso, todavia, terá de haver muito embate político contra a plutocracia internacional e a kakistocracia instalada em Brasília que não se demoverá voluntariamente das posições desastrosas que ocupa.

Nesse embate teremos de expor a perniciosidade de quem defendeu a extinção dos serviços públicos, nomeadamente os de saúde, como o SUS no Brasil e o SNS em Portugal, tesouros incalculáveis que nos querem roubar os corsários da alta finança. Não nos esqueçamos dos que mesmo neste momento calamitoso continuam pregando a destruição do Estado Social em nome de um individualismo sociopata, como os séquitos da Escola Austríaca ou da Escola de Chicago e seus “institutos liberais”. Exemplo é o Instituto Rothbard, que em nome da “economia intacta” defende que o Estado deixe o vírus se disseminar sem interferir com medidas de mitigação e supressão até todos os cidadãos fora do grupo de risco ficarem imunizados, estratégia que o governo do Reino Unido acaba de abandonar provavelmente após um estudo de simulação elaborado por diversos colaboradores da Imperial College London fazê-lo perceber que caso a mantivesse teria em suas mãos o sangue de 500 mil mortos, contando apenas os vitimados pela covid-19 e excetuando outros 500 mil que, com outros problemas de saúde, pereceriam por falta de leito hospitalar.

Não nos enganemos: não estava tudo bem antes da pandemia. Não éramos felizes e o sistema não era sustentável. Nós estamos piores, certamente, mas estar pior significa que uma situação má agravou-se e não que uma situação boa perdeu parte do seu encanto. Quando isto passar – e vai passar, não sem agudo sofrimento – poderemos aproveitar o impulso e as dores das feridas ainda não cauterizadas para transformar positivamente o mundo e manejar o destino das nossas vidas, ou poderemos recair no conformismo da existência amedrontada, sufocante e cinzenta que, embora desejemos agora ter de volta, nos era quase sempre insatisfatória, além de social e ambientalmente insustentável.

Por fim, um dado que diz muito sobre como o Brasil privatiza riqueza e socializa prejuízo:

Todos os anos, fortunas gigantescas que pertencem por direito ao povo são privatizadas em benefício das elites, as mesmas que pagam menos impostos que as pessoas de quem esse dinheiro é rapinado. Como isso acontece? Só no ano de 2018, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 626 bilhões apenas com SONEGAÇÃO. O grosso dessa sonegação está associado às elites, ao baronato (e não é de agora – em 2015, no último ano completo de Dilma Rousseff, a sonegação passou dos R$ 500 bilhões). Esse número correspondeu a 9,2% do PIB e é – pasmem – 5 vezes e meio maior que os investimentos públicos federais previstos para o ano e 88% de tudo o que estados e municípios arrecadaram. Aliás, o valor da sonegação supera largamente o que os propagandistas da Reforma da Previdência diziam que ela economizaria anualmente aos cofres públicos e até se aproxima da totalidade do que se pretende economizar em dez anos.

E já que a grande preocupação do momento é a saúde, como não poderia ser diferente, o valor dessa sonegação foi quase 5 VEZES o orçamento do Ministério da Saúde. E 6 VEZES o do Ministério da Educação. E como outra preocupação importante é a sobrevivência das famílias mais pobres, esses impostos não arrecadados (sonegação) correspondem a nada menos que 21 VEZES o orçamento do Bolsa Família, aquela coisa tão demonizada por uma certa trupe que faz micareta vestida de auriverde. A título comparativo, a “gloriosa” Lava Jato, em 6 anos de existência, recuperou R$ 4 bilhões. Repito, a sonegação de impostos, só em 2018, foi de R$ 626 bilhões, mais de 150 vezes o valor do que a Lava Jato recuperou depois de valer-se das emoções populares para justificar meios criminosos pelos seus (supostos) nobres fins, instituir um Estado paralelo a partir do lawfare, destruir empresas, atuar politicamente, enriquecer procuradores transformados em popstars, alçar um juiz corrupto e criminoso à categoria de semideus (e de ministro) e influenciar diretamente uma eleição presidencial que resultou na vitória de um neofascista subserviente ao projeto neoliberal dos Chicago Boys.

Sim, meus caros, a luta contra o coronavirus é também luta de classes. Se neste momento clamamos por medidas socializantes que nos ajudem a enfrentar a pandemia, que sentido faz, depois dela, voltarmos a nos contentar com a barbárie? Sim, porque mais do que nunca temos perante nós as seguintes opções: Socialismo ou Barbárie.

 

PS: Utilizei os dados do Censo 2010 não para induzir qualquer tipo de apologia às gestões petistas (embora reconheça as importantes melhorias resultantes de políticas públicas empreendidas por essas gestões), mas por já deles dispor previamente por estar neste momento fazendo um trabalho acadêmico sobre vulnerabilidade social e susceptibilidade face a riscos. De qualquer maneira, o Censo 2020 ainda não foi feito e, em função da pandemia, deverá ser adiado provavelmente para o próximo ano.