Artigo de Opinião

Mais um artigo sobre o coronavírus

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Tenho medo. Acho que todos temos. A previsão é dum abismo, tanto social como económico. Em questão de duas semanas, tudo mudou. E em questão de duas semanas, tudo mudará ainda mais. Todos os dias vemos doentiamente a televisão à espera dum comunicado de última hora a dizer que foi tudo uma piada de mau gosto e que já podemos sair à rua e voltar às nossas vidas. Sim, às vidas, porque por mais tecnologia, redes sociais, vídeo-chamadas, Tinder e teletrabalho que tenhamos, nada, mas nada no mundo substitui um abraço, um beijo, uma cerveja bem fria no Maus Hábitos depois dum dia passado com amigos a saltar de canto portuense em canto portuense.

Cada dia que passa o prazo estende-se. Boas notícias? Más notícias? A curva achata-se, mas a quarentena prolonga-se. Parece que nos dias que correm não pensamos noutras coisas.Quarentena, Covid-19, distanciamento social, curvas, aumentos, mortes, casos confirmados. O vocabulário resumiu-se a isto.Vamos ligando aos amigos e familiares, alguns parecem estar completamente imunes à situação. Não porque estejam a ignorar as chamadas de atenção das autoridades para ficar em casa, mas porque parecem continuar com a sua vida, ainda que confinados às suas casas. Outros, na outra ponta do espectro, parecem já estar a entregar-se ao cruel destino da morte, mesmo que não espirrem há três dias.

Ilustração de Joana Jacques

O horizonte apagou-se. Desistimos lentamente de acreditar nos prazos. Isto acabará quando acabar, e morrerá quem tiver de morrer. Entretanto, não há avanços, tudo entra numa paragem doentia. As amizades são testadas, as “conquistas amorosas” ficam completamente pelo caminho. As grandes paixões vão ter de esperar, e as cartas de amor só sobrevivem enquanto os correios não decidirem cessar atividades também. Os funerais são ainda mais sombrios e solitários. As gravidezes ainda mais difíceis de suportar.

Gostava de escrever uma mensagem positiva, um parágrafo de alento daqueles que nos fazem sentir que “tudo ficará bem”, mas eu nem sei o que será “tudo”. Numa crise que parece estar só a começar, da qual o pouco que conhecemos vem das mãos de quem não é famoso por ser transparente. A vida nunca será como a conhecemos. A única coisa positiva em que consigo pensar é que, quando e se tudo acabar, os beijos e os abraços serão mais fortes do que nunca. A cerveja vai saber melhor, as conversas vão ser mais profundas e a timidez de tomar a iniciativa será erradicada.

Afinal de contas, parece que de vez em quando é necessária uma crise deste tamanho para nos lembrar que é a vida que passa por nós e não ao contrário. Parece que a nossa existência, por vezes ilusoriamente tão sólida e robusta, pode ser posta em questão por algo tão pequeno e aparentemente tão insignificante, pasme-se! No meio de tudo, e com ainda um grande período de isolamento social pela frente e outras medidas que só o desenrolar do tempo demonstrará, só sobrevive entre nós meros mortais um conjunto de conceitos: a esperança de que tudo correrá bem, a fé que se deposita nos deuses ou nos cientistas e médicos (quem disse que não podem ser os mesmos?) e o amor e a amizade, essa esmagadora vontade de socializar, de abraços e mãos dadas, de estar com quem nos faz sentir bem e seguros.

Malditas emoções, não as podemos pôr em quarentena só a elas?

 

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