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Crónica

Escrever ou não escrever: e se não surgir uma questão?

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Um dia, ouvi o Professor, perdão, o Constitucionalista, perdão, o Exmo. Presidente Marcelo a dizer que se sentia vazio de ideias, para divagar ou aprofundar, na rubrica radiofónica em que participava.

Na altura, o calor extasiante dificultava a época de exames para os estudantes, por isso, num ímpeto, o ainda-não-Presidente-mas-sempre-Professor Marcelo elucidou-se, eis um tema (óbvio e necessário!). Contudo, ocorreu-lhe que seria clichê abordar o sentimento coletivo de compaixão perante os estudantes, por isso, falou sobre a classe docente, de que ninguém se compadece, e que tem de corrigir centenas de exames num tempo recorde.

Sendo também ele professor, falou na primeira pessoa, o que ajuda sempre quando se opina.

É isto. Advir com um tema sobre o qual dissertar é sempre desafiante. Não só porque se exige frescura, imprevisibilidade, novas perspetivas, como é preciso estar confortável, informado e inspirado para o fazer. Há fatores que importam, do lado dos devotos e dos que pregam o sermão (ou o salmão, se o público for o mesmo a quem Santo António emocionou).

Toda esta introdução presidencial serviu, somente, para justificar a minha própria vulnerabilidade. Não sei sobre que debruçar a escrita.

Todavia, liberto a tensão da busca assassina por uma ideia quando apenas deambulo, sem pretensão maior do que a de almejar ser leve. Sou assolada por memórias, recortes de momentos, teorias cavalgantes e, quiçá, algo que me importe desenterrar para me entender.

Se tal for digno também de partilha, a escrita será o veículo.

Mas, o que define afinal, a legitimidade de certa matéria?

Creio ser admissível, desde que olhe para o núcleo das coisas e, o deseje desfolhar com as minhas próprias mãos. No essencial, é perceber-me íntima do objeto do meu discurso, atenta aos detalhes que escapam aos demais, por não terem os meus olhos e, ao mesmo tempo,  sentir as impressões digitais dos que já ali passaram.

Descobrir o véu de um qualquer tópico, é ser mineiro esperançoso. Ao cavar a fundo, avisto, reluzente, a certeza de que tememos todos o mesmo: o buraco que cavam por nós.

Seja traduzido pela pressão, o stress, as expectativas, a morte em tudo isso, o buraco é uma visão nítida do fundo de um túnel pintado.

Assim, não me aflijo em ser estonteantemente inovadora no que prego ou questiono. Seja aquilo que for, partilharemos os arrepios de sermos gente, curiosos por natureza e amedrontados por tecnologia.

Isto, pois, carregamos uma pesada armadura e, ao verbalizarmos as inexplicáveis sensações de espírito, elevamo-nos, mais etéreos. Escrever, para mim, é isso. Aceitar as asas encravadas na armadura metálica.

Sustento-me citando José Fanha: “Não se esqueçam de escrever dentro do peito – nós nascemos para ter asas.”

Um assunto pode materializar-se na dificuldade de fazer emergir um assunto. E isso dá pano para mangas. Ou deu.

 

Márcia Branco

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