Artigo de Opinião

Saudade em tempos de pandemia

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Estamos numa pandemia. Acho que nunca, na minha cabeça, tinha imaginado que isto pudesse acontecer. Parece mesmo tirado de um filme. Estamos fechados em casa. Não podemos sair, não podemos conviver e mesmo que o sol raie no céu, os parques continuam vazios.

Durante este tempo, notei que a maioria das pessoas gosta de acreditar que só existem duas maneiras de encarar este acontecimento. Ou somos positivos e acreditamos que vai ficar tudo; ou somos negativos e cremos que tudo isto vai trazer imensas repercussões para o futuro. Gostamos de rotular. Temos necessidade de o fazer. Precisamos de categorizar e pertencer a algo. Podemos quase afirmar que é inerente ao ser humano. Na cabeça das pessoas, somos mercadoria, uns frágeis, uns de grande porte ou até perigosos. Não acredito que me encaixe em nenhum destes rótulos. Tal como nunca me encaixei em nada. Por isso, acredito que tenho um pouco dos dois e nada de nenhum.

Pelo lado negativo, isto é uma doença e não nos vai largar tão rapidamente como queríamos. Vamos ter de viver com o vírus, pelo menos até termos uma cura e uma vacina. Vamos ter de nos adaptar e mudar os nossos hábitos. Lá se foram os beijinhos, os abraços fortes e os sussurros ao ouvido. Lá se foram as jantaradas, as festas, os santos populares. Podemos dizer adeus às férias fora de Portugal. Vamos entrar numa crise. O desemprego vai aumentar. Vamos ter dificuldades e qualquer pessoa que o negue não vê as notícias como eu vejo. O ensino vai mudar, vai ser mais frio, mais distante. Vamos perder o que nos fazia feliz, os pequenos gestos de carinho que nos davam sem pedir. Porque não podemos. Não devemos. Agora temos distancia social, máscaras e desinfetante. Perdemos as praias, os cafés e o toque. Porque é preciso. Porque queremos sobreviver.

Pelo lado positivo, poupamos o planeta. Diminuímos a poluição para números histórias. A tecnologia melhorou. Investimos em tecnologia à distância. Criamos ventiladores, porque era preciso. E são portugueses! Aprendemos a falar através de um monitor. A dar aulas através de um computador, mesmo que seja difícil. Mesmo que doa. As pessoas tornaram-se mais solidárias, mais conscientes. Temos caixas solidárias com alimentos para quem precisar. Temos empresas a produzir o que é preciso para ajudar no rastreio. Criámos hábitos de higiene. Não dispensamos lavar as mãos, nem usar o desinfetante. Aprendemos a viver em casa. Sozinhos. Percebemos que algumas coisas que não dávamos atenção eram uma parte fundamental na nossa vida. Valorizámos os colegas de trabalho, os colegas de escola ou até mesmo o senhor do café que fazia sempre a mesma piada. Ganhamos resistência. Aprendemos que, se calhar, devemos aproveitar os mais pequenos detalhes, os mais pequenos gestos. Criámos grupos online, claro. Festejamos aniversários, cada uma em sua casa, mas juntos. Mesmo que alguns cantem os “parabéns” um pouco atrasados. Aprendemos a amar à distância. A preferir as palavras, a saber usá-las, porque não usamos o toque. Lemos livros e perdemo-nos nas histórias. Dedicamo-nos aos passatempos, evoluímos e somos um pouco melhor. Fortalecemos as nossas relações. Mas, acima de tudo, aprendemos o verdadeiro valor da palavra saudade. Uma palavra única. Tipicamente portuguesa. O que a pandemia trouxe foi a saudade.

Agora sentimos saudades. Não sabemos mais nenhuma palavra. No entanto, percebo e compreendo que não existe melhor maneira de descrever o que sentimos e vivemos. Somos muito pequenos em relação a tudo isto. Somos indefesos. Mas somos fortes o suficiente para sair disto. Por muito que as saudades apertem, são elas que nos dão as forças para continuar esta batalha. E são elas, tipicamente portuguesas, que fazem este tempo passar um pouco mais depressa. Por isso, sinto saudade. De tudo um pouco, mas sei que vai ficar tudo bem. Não sou demasiado positiva, nem demasiado negativa. Sou eu. E acredito que isto vai passar. É só saudade em tempos de pandemia…

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