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Crónica

Inevitavelmente Inevitáveis

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O problema é começar, o início é sempre a parte mais dolorosa da criação, pelo menos para mim. Organizar ideias, analisar o contexto, perceber o que tenho a meu favor e o que tenho contra e depois começar. Esta questão não se torna uma surpresa, mas sim um resultado de uma quantidade incrivelmente estranha de circunstâncias.

Então para começar queria confessar-vos que quando abri o portátil tinha apenas uma ideia em mente: escrever-vos sobre tudo o que não incluísse pandemias, COVID-19, quarentena, isolamento e todas as palavras que há dois meses se deitam ao nosso lado, acordam-nos, circulam na nossa cabeça, invadem os nossos pensamentos e aos poucos consomem-nos. Queria trazer-vos algo diferente, algo do que era a vida há quatro meses. Mas como já devem ter reparado apenas consegui escrever um parágrafo aleatório sobre um pensamento que não dançasse à volta dos tempos que vivemos.

Ao terceiro parágrafo confesso que falhei. Inevitavelmente se continuarem a leitura desta crónica vão, mais uma vez, ler opiniões e ideias sobre o que já ouviram ou leram na televisão, nas redes sociais, dos amigos, da família, daquilo que é hoje o mundo.

Se ainda aqui estás, então quero contar-te porque não parei mal senti aquela nuvem de óbitos, infetados, desemprego, pandemia, COVID-19, medidas de prevenção, restrições, estados de emergência, quarentena, isolamento a atacar as minhas ideias e a baralhar por completo o meu pensamento.

Não o fiz por duas razões: primeiro considero que não vale de nada contrariar a realidade e evitar o inevitável e segundo porque um destes dias falava com alguém que me dizia que tinha a mente sem cor. Destas duas razões, tirei a grande razão para continuar mais uma crónica sobre os tempos que vivemos e os que se aproximam: o medo.

A inevitabilidade de sentirmos medo é uma realidade, não sendo esta que me assusta, mas sim o facto de o medo poder tornar-se uma arma política, social e até pessoal.

Não será novidade para ninguém que estes meses viraram as nossas vidas de pernas para o ar, trocaram-nos as voltas, o que eram certezas rapidamente se tornaram incertezas. E passado mais de mês e meio, falam-nos em reaberturas, em tentarmos voltar às vidas que tínhamos, mas tendo consciência que nada voltará a ser como antes. Haverá maior desafio do que viver o desconhecido tentando chegar ao conhecido? E haverá algo que nos assuste mais do que o desconhecido? De não saber como vai ser o amanhã? De perdermos o controlo do que nos rodeia? Lamento, mas perdemos o controlo, o amanhã é incerto e o desconhecido é inevitável. Inevitavelmente temos medo.

O medo é inevitável, mas não é fraqueza. É sinal de que estamos aqui, faz parte do que somos enquanto seres humanos. Sem medo não existiria a coragem, por isso, não encontro nenhum problema em sentirmos medo em alturas de incerteza, de desconhecido, em que nada é dado como certo, como eu gosto de chamar, em tempos de ditos e não ditos.

Agora o que realmente me preocupa é ver pessoas a aproveitarem-se do medo dos outros para vender opiniões não fundamentadas, a instigar ao pânico, ao ódio, à divisão na altura em que mais deveríamos estar unidos. Não seria momento de olharmos para os medos dos outros e ajudá-los a enfrentá-los, em vez de os considerar peças de xadrez para fazer xeque-mate?

A história já nos demonstrou que o medo pode ser uma arma perigosa. E não se pode nem se deve voltar a permitir que tornem os nossos medos em armas. Eles são nossos, somos nós que os enfrentamos, a coragem é nossa. A liberdade de ter medo sem que este seja uma jogada de alguém para atingir um determinado fim seja ele político, social ou de outra natureza qualquer pertence-nos.

Utópico seria pedir a estas pessoas que não se aproveitem dos medos dos outros. Porém é concebível pedir que aceitem o medo e não deixem que os outros o transformem em armas, transformem-no em coragem.

E se cruzarem com alguém que sinta que a sua mente está sem cor, não lhe tirem mais a cor, pelo contrário, criem cor.