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Artigo de Opinião

1º de Maio: Diz-me quem foste, dir-te-ei quem és!

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A 1 de maio de 1886, ocorreu a primeira manifestação constituída por 500 mil trabalhadores, nas ruas de Chicago, tendo culminado numa greve geral em todos os Estados Unidos. Com isto, pretendiam-se alcançar condições laborais mais justas para os trabalhadores, visando tal, principalmente, a redução do horário laboral de 17 para 8 horas. Esta foi uma luta que inspirou várias reivindicações pelo mundo.

Três anos depois, em 1891, o Congresso Operário Internacional convocou em França, uma manifestação anual, em homenagem às lutas sindicais de Chicago. Esta acabou com 10 mortos e múltiplos feridos, em consequência da intervenção policial.

No espectro português, é de facto que, até 1886, os trabalhadores nunca tinham ousado pensar poder exigir os seus direitos, trabalhavam apenas sem nenhuma certeza.

Contudo, tudo mudou quando os trabalhadores assinalaram o 1.º de Maio em 1890, o primeiro ano da sua celebração internacional.

Nesta altura, o dia do Trabalhador era aclamado materialmente através de alguns piqueniques de confraternização, com discursos pelo meio, e a algumas romagens aos cemitérios, em homenagem aos operários e ativistas caídos na luta pelos seus direitos laborais.

Com as alterações qualitativas assumidas pelo sindicalismo português no fim da Monarquia, ao longo da I República o sistema transformou-se num sindicalismo reivindicativo, consolidado e ampliado.

A primeira lei contemplativa da greve ficou conhecida como “decreto burla”, por ter dececionado as expectativas dos sindicalistas e dos portugueses. Publicada a 6 de dezembro de 1910, dois meses depois da implantação da I República, reconheceu o direito à greve, legitimou o direito ao lock-out pelos patrões, garantindo proteção aos fura greves e permitindo o uso da força policial e militar contra os trabalhadores nas empresas e manifestações. Quatro meses depois, a 13 de março, as trabalhadoras das fábricas de conservas de Setúbal entraram em greve, exigindo melhores salários. Logo de seguida, o Governo enviou a GNR para o local e foram mortos dois trabalhadores

Por fim, é de referir que, em 1919, após algumas das mais gloriosas lutas do sindicalismo e dos trabalhadores portugueses, foi conquistada e consagrada, na lei, a jornada de oito horas para os trabalhadores do comércio e da indústria.

No calendário litúrgico, o dia celebra a memória de São José Operário, o Santo padroeiro dos trabalhadores.

Em termos jurídicos, os sujeitos do contrato de trabalho designam-se por trabalhador e empregador.

Assim, focando-nos na figura do trabalhador, este é aquele que por contrato coloca a sua força de trabalho à disposição de outrem, mediante retribuição.

Ocupa, necessariamente, uma posição de subordinação jurídica que resulta de uma relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.

A subordinação não se espelha de modo constante no decorrer de uma relação de trabalho já que muitas vezes há a aparência de autonomia do trabalhador, contudo; esta existe nem que seja sob uma aura omnipresente.

É de referir que, enquanto sujeito a quem são atribuídos deveres, ele é também titular de direitos.

Ora, na lei portuguesa estão contemplados no Artigo 129.º do Código do Trabalho as “Garantias do trabalhador”, que enumera taxativamente condutas proibidas ao empregador. Os direitos do trabalhador adquirem diferentes alcances e naturezas, estando presentes em disposições espalhadas neste instrumento de regulamentação e em legislação específica.

Entre estes, considero de especial importância o preceito que explicita o despedimento ilícito por iniciativa do empregador; o direito que os trabalhadores têm de criar, em cada empresa, uma comissão de trabalhadores para defesa dos seus interesses e exercício dos seus direitos; o direito à greve cujos termos a Constituição define mas que confere aos trabalhadores a competência para definir o âmbito de interesses que a greve visa acautelar; o direito ao descanso diário, semanal e anual; o direito à retribuição (salário, subsídios, comissões); o direito a faltar (sob certos parâmetros legais).

Assim, ser trabalhador é também estar acautelado pela ordem jurídica e isso, é mais do que alguma vez uma geração ousou imaginar.

Todavia, nem todos os trabalhadores estão abrangidos por um contrato, mas nem assim a ordem jurídica as abandona.

Deste modo, segundo o Código do Trabalho, a pessoa que prestar atividade a uma entidade patronal por um período que exceda o experimental, e sem que haja um contrato escrito, passa a estar automaticamente em situação de efetividade, isto é, com contrato sem termo.

Após uma análise que contextualizou a origem de uma celebração, considero que, independentemente de nos iluminarmos mais à direita ou à esquerda, é essencial atribuir luz verde, no que releva para a observância de medidas protecionistas em sede de Direitos Humanos.

Se observado através de uma lente mais ampla, esta regulamentação visa proteger o ser humano enquanto tal; a partir de sentido mais restrito, a legislação dirige-se a um setor, neste caso, o laboral, acautelando com maior vigor quem se situa numa posição de maior vulnerabilidade.

Na sua veste de sujeito numa relação laboral, o trabalhador tem direito a férias; enquanto “pessoa”, que ocupa a posição jurídica de empregado, tem direito a ter boas condições laborais.

Nos nossos dias, pautados pela velocidade anímica a que tudo se processa e se altera, torna-se mais do que essencial puxar a fita para trás e relembrar o que não vivemos.

Ganhar entendimento sobre as verdadeiras consequências da falta de estatuto jurídico para a figura do trabalhador: as injustiças que daí decorriam; as marcadas diferenças na qualidade de vida entre um operário e o seu empregador; a precariedade e instabilidade que era viver sem certezas ou garantias; o livre arbítrio do empregador para o que trabalhador fosse percecionado apenas como um meio de produção sem direito a contra-resposta.

No ano de 1919, em Portugal, tornou-se palpável a manifestação de um poder efetivo pertencente aos trabalhadores e às associações que os representavam. Um novo marco foi assinalado: equidade e ajuste do tempo de trabalho. E desde aí, nenhuma voz mais se absteve de gritar injustiças e de as aspirar mudar, ao ritmo do novo mundo.

Quanto à efetiva celebração do 1º de Maio, as ruas não foram o local propício para relembrar um passado duro e elevar uma evolução crescente, ainda que com questões a aprofundar e acautelar.

É de discutir se, neste tempo de crise provocado pelo novo coronavírus, os trabalhadores foram em todos os casos protegidos, elucidados dos perigos, mantidos em segurança. Tal requererá a uma análise casuística, mas, se há na legislação laboral um elemento subjetivo essencial (sujeitos sobre os quais a lei incide) então a ordem jurídica abrigará quem for de direito na medida do Direito.

Se os manifestantes de outros tempos fizeram da rua o palco, prestemos nós homenagem em casa, numa perfeita metáfora ao protecionismo e às novas formas de trabalho.

Quando se readquirem direitos, ganha-se liberdade e dignidade, valores que nos eram intrínsecos por natureza, mas que nos foram arrancados.

Dito isto, as perspetivas futuras não deixarão de ser as de um 1º de Maio a viva voz, sempre!

 

Márcia Branco

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