Devaneios

A certeza da vida

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Nenhum de nós sabe o que é que está aqui a fazer. Será que há um propósito? Ou será que quando formos desta para melhor, voltaremos a ser o que éramos antes de nascermos? Absolutamente nada. Ninguém nos garante que haja o dito céu lá em cima à nossa espera, com os anjinhos à porta – supostamente depois ficaremos a olhar cá para baixo.

Tenho noção que a maior parte das pessoas têm de acreditar em algo, até para manterem a sanidade mental. Contudo, venero quem em nada acredita, penso que são os mais felizes. Defendem que não há nenhum “depois” e aproveitam sempre tudo até ao último adeus. Creio que são as pessoas que não perdem tempo com cenas banais, discussões inúteis. Mas depois pergunto-me se é possível alguém numa cama de hospital ou a observar um ente querido em estado critico conseguir ser de tal forma racional ao ponto de não pedir ajuda a qualquer força maior. Corrijam-me se estiver errada, mas na minha cabeça temos tendência em apelar à misericórdia nos momentos mais difíceis.

A forma como vemos esta dádiva que nos foi concebida interfere no modo como lidamos com o que nos aparece à frente. Muitos sabem que um dia, mais cedo ou mais tarde, tudo isto acabará, mas não têm consciência disso. E então chateiam-se, cortam relações, deixam-se destabilizar mentalmente com assuntos que com o tempo deixam de ter importância. Há uns anos, uma almazinha, ao me ver dramatizar por algo absurdo, disse-me e passo a citar: “Nunca percas mais de 5 minutos com algo que daqui a 5 anos será insignificante”. Admito que demorei a interiorizar a frase, mas cheguei lá, assim como muitos outros chegarão e compreenderão a tontice que é atribuir certa relevância a tão pequenas coisas.

Pena os mortos não voltarem durante três minutinhos só para dar aquele spoiler que habitualmente odiamos, só para dizer se há realmente algo. Há quem ache que tudo o que acontece já está destinado a acontecer – crentes, portanto. Os restantes sabem que cada um traça o seu próprio destino, cada passo que dá, cada decisão que toma, todas elas têm consequências, geram algo. No entanto, não vale a pena discutir sobre as várias perspetivas da vida. A única certeza que temos é que eventualmente vamos morrer (perdoem a morbidez). Portanto, apelo à inteligência, ao parar de viver no passado ou até mesmo no futuro – sofrer por antecipação faz-vos mal.

Uma das coisas que se aprende nesta vida é que os funerais não são para os mortos, mas para os vivos. No dia em que batermos a bota tornar-nos-emos, instantaneamente, memórias felizes ou infelizes para os que cá ficam. Resta-nos fazer com que sejamos relembrados da melhor maneira. Na capela, deitado e bonito, todo arranjado, de fato ou de vestido está o corpo de alguém, mas somente o corpo. Ao redor estarão os restantes a ver, pela última vez, a cara de alguém que já lhes foi algo.

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