Crónica

«Na tua idade, eu já»

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Acho deveras engraçado como há pessoas que ainda acreditam, genuinamente, que não existe tal coisa como a toxidade parental, vamos assim chamar-lhe. Acredito que devemos uma salva de palmas para todos aqueles que se viram, novamente, encurralados nas suas próprias casas na altura do confinamento.

Não me orgulho em dizer que conheço muitos jovens que lidam com este tipo de problema todos os dias. Uns quantos viveram e a quantidade de outros que ainda vive o real inferno na terra.

Este tipo de toxidade, vinda dos próprios pais, tem demasiadas vertentes para que as possa apresentar num curto texto. De forma resumida, este comportamento impróprio dos familiares vem da sua mentalidade ou sobretudo do seu passado, o ambiente em que foram criados, se receberam ou não o dito carinho e atenção quando eram crianças, neste caso, dos nossos avós. Falo por todos quando digo que temos consciência que os tempos eram diferentes, mas já não estamos todos fartos deste discurso sistemático? “Na tua idade, eu já”. É frustrante ouvir sempre a mesma coisa – contudo, prefiro dizer que é engraçado, parece que não se cansam.

Friso que estou a tornar este tema mais banal do que realmente é, mas defendo firmemente que ninguém sabe o que é ter pais tóxicos se não os tiver – nem que expliquem ao amigo mais chegado, de forma pormenorizada, certos episódios que vivenciam. Quando o fazem e deixam sair um ou outro insulto da boca levam com um “Estás a exagerar” – ou, então, ouvem o comentário mais comum: “Os teus pais não parecem ser nada assim”. Para as criaturas que pronunciam estas palavras ou algumas parecidas: não é suposto os pais transparecerem a toxidade para os que estão de fora.

O pior não é de todo as pessoas não terem noção do quão mal alguns pais deixam os filhos mentalmente, é sim o facto deles próprios não terem consciência disso e fazerem cada vez pior. É como um jogo para alguns, ganha aquele que deixar o filho em pior estado emocional. Ainda não descobri o porquê de o fazerem. Na minha cabeça, estas crianças e jovens, quando formarem a própria família, sem dúvida alguma, quererão ser melhores – aprenderam com os erros dos pais. Mas escondido neste grande desejo há um receio ainda maior, que é tornarem-se, inevitavelmente, iguais ou até mesmo serem piores.

Não me é possível exemplificar de que modo os pais podem ser tóxicos para os próprios filhos, até porque são várias as maneiras de o serem, umas mais notórias que outras. É triste afirmar que muitos jovens apenas se apercebem dessa toxidade existente anos mais tarde – devido ao facto de terem convivido desde pequenos e terem crescido nesse específico ambiente, serem reprimidos torna-se algo normal e aceitável, quase banal. Realço que me estou a focar na toxidade para com os filhos, não entre o próprio casal, que, infelizmente, também é bastante frequente.

Os pais, nestes casos, têm tendência a cortar as asas aos filhos e a culpabilizá-los pelos problemas que passam, por erros que cometem e que nada têm a ver com o filho, até pelos problemas financeiros – imaginem colocar esta pressão e culpa numa criança de 12 anos. Infernizam a mente destes miúdos, igualmente com insultos que rapidamente se confundem com alcunhas. Pergunto-me como é que é falhar a este nível como pais. Para quem está de fora achará que é “fazer uma tempestade num copo de água”, mas não são eles que passam os dias a levar com berros na cara, com constantes ameaças, com o “não és nada”, “não fazes nada”, “és um inútil”. Nem são eles que ficam em negação devido à vergonha que sentem ao apenas pensar em expor o que passam em casa – nem estou a ser violenta com as palavras para não vos assustar, chamo de privilegiado aquele que nunca passou por tal absurdo. Porém, considero que é impossível fazer a descrição destes momentos por meras palavras.

A toxidade parental é um assunto deveras sensível e regularmente ignorado na nossa sociedade – como muitos diriam “não nos devemos meter nos assuntos dos outros” – e, por isso, espero ansiosamente pelo dia em que comecemos a dar a merecida importância à saúde mental de todos, mas principalmente à dos mais jovens. Eles que aguardam os 18 anos, pela pequena, mas tão grande independência – os quantos que se matriculam em universidades da outra ponta do país, para estarem o mais longe possível do ninho que os atormentou desde cedo. Porém, até ao reconhecimento total deste mal, continuemos a fingir que é apenas uma situação engraçada.

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