Crónica
Em 6 Meses Depois
Caro leitor, há 6 meses que tento escrever sem ser fortemente influenciada por todo um clima de pandemia, tentando afastar o assunto, lutando para não dar uso à palavra COVID-19, mas é difícil, para não dizer impossível.
Adorava escrever-vos que ficou tudo bem, que a fé nos ajudou a superar algo que não vemos, que o mundo aprendeu alguma coisa e melhorou, porém, infelizmente, não vos consigo escrever tal coisa. A realidade pura e dura, é que agora além de uma pandemia, lidamos com uma crise camuflada, prestes a tornar-se visível.
#Fiqueemcasa, concordo. Vai ficar tudo bem, concordo. Normal que concordemos, que até nos seja minimamente alcançável, porém, questiono-me o que dirão as pessoas que dormem nas ruas porque não têm um teto a que chamar Casa, os pais que precisam de pôr comida na mesa para os filhos ou até mesmo quem lute pela sua própria sobrevivência. Aqueles que precisam de sair de casa e não porque vão ao café pôr a conversa em dia, mas porque têm de sobreviver, aqueles que estão a viver em primeira mão um “não está tudo bem”.
Se pararmos para pensar nestes últimos meses, será que realmente aprendemos alguma coisa? Bem, não sei quanto a si, no entanto, eu continuo a ouvir e a ler todos os dias, de manhã à noite, a notícia de que perdemos vidas humanas como se não passassem de números, mais três óbitos, mais quatro óbitos, mais cinco óbitos. Vidas essas que nesse preciso momento estão a ser lamentadas e sofridas por alguém que as amava profundamente. Mais umas quantas centenas de casos ativos, meus senhores, não são casos, são pessoas, pessoas essas que estão doentes, muito provavelmente assustadas e longe das suas famílias e amigos. Acho que o problema aqui se mantém o mesmo de sempre, não nos sabemos colocar no papel do outro, aliás porque haveríamos de o fazer? Afinal um dos óbitos não é a nossa avó nem somos nós que estamos isolados, doentes e sozinhos com testes a dar ora positivo, ora negativo, ora inconclusivo, com a vida em standby e com a nossa saúde em risco.
Sei que as notícias, a informação deve ser transmitida, contudo mais empatia, por favor. Agora poderia dizer que não estamos a falar de animais, mas sim de pessoas. No entanto, este argumento também já não resulta, porque já começo a ver mais preocupação com os animais do que com as próprias pessoas. Por isso, apenas tenhamos em conta que os números são pessoas reais tal como nós.
E já que falo em empatia, gostaria de chamar a atenção para outro campo que afinal não ficou assim tão bem, as relações que temos uns com os outros, a forma como nos tratamos. Compreendo o receio, a desconfiança e até certo ponto a frieza que toda a situação nos trouxe, mas há mesmo necessidade de sermos impacientes e perdermos a nossa capacidade de compreensão? É que sinceramente já perdi a conta às vezes que vi alguém responder em tons menos agradáveis a pessoas que simplesmente não ouviram bem devido às máscaras. Não custa muito repetir e ter paciência, perceber que utilizar uma máscara pode não ser assim tão fácil para alguém que tem 60 anos com má audição, que todos nos sentimos meios perdidos, sem saber ao certo como agir, que setas seguir, onde desinfetar, quantas pessoas estão na loja, qual o distanciamento aconselhável mas auditivamente possível e por aí adiante.
Se resumirmos estes seis meses percebemos que única certeza que temos é a incerteza. Talvez não tenhamos aprendido, as coisas não tenham ficado bem, a COVID tenha vindo para ficar e até mesmo estejamos prestes a enfrentar mais uma crise económica e social, mas continuo a apelar à nossa capacidade de adaptação perante as adversidades, de vivência em sociedade, de empatia e respeito pelo outro. Juntos conseguimos, mas para isso é preciso que não seja só mais um lema ou uma frase de Facebook, é preciso que se torne real, que estejamos mesmo juntos, começando nas coisas mais simples e pequenas do nosso dia a dia, com quem nos cruzamos diariamente.