Artigo de Opinião

O direito à Educação Cidadã e à voz das Crianças

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A escola tem um papel fundamental na construção da prática cidadã e democrática, e no estímulo de experiências participativas. Em articulação com outras dimensões e diferentes contextos da vida em sociedade, a escola deve ter a responsabilidade de reconhecer e incentivar a participação democrática das pessoas mais jovens. Desta forma, deve proporcionar espaços plurais de diálogo crítico, expressão e participação, onde crianças e pessoas jovens possam ser ouvidas, propor ideias e participar em processos de tomada de decisão. Se não for a escola a impulsionar estes exercícios de aprendizagem e prática cidadã e cívica, os e as mais jovens irão, eventualmente, ter dificuldades em encontrar espaços próprios em que possam ser ouvidos/as e considerados/as enquanto cidadãos e cidadãs com direitos.

A disciplina Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento pretende ser um contexto de aprendizagem e prática de cidadania, onde as pessoas jovens devem ser incentivadas a refletir e debater coletivamente sobre diversas questões da sociedade, nomeadamente os direitos humanos, a educação ambiental e para o desenvolvimento sustentável, a educação para a igualdade de género, educação intercultural para a segurança, defesa e paz, educação rodoviária, educação financeira, educação para os media, educação para a saúde e sexualidade. A abordagem holística destes temas que fazem parte das vidas das pessoas jovens é essencial na constituição de processos educativos e para o desenvolvimento de seres humanos autónomos, atentos, responsáveis, solidários, críticos, criativos e conscientes dos seus direitos e deveres.

A posição paternalista sustentada, neste caso, na autoridade parental, no adultocentrismo e conservadorismo cultural continua a ser um obstáculo à participação de crianças e jovens. Os pais que acreditam que a Educação para a Cidadania na escola poderá constituir uma ameaça para as crianças são pais que, provavelmente, precisarão limar a sua própria formação cidadã e perceber que não são donos das crianças. É uma questão enraizada na nossa cultura, mas a realidade é que a ideia de educação para a obediência é tão aborrecida, repressora e perigosa, que chega a ser criminosa. Estes pais tão iluminados com certeza não devem saber que as crianças são pessoas com identidades e culturas próprias, detentoras de direitos, nomeadamente do direito à cidadania e participação. Todavia, quantas vezes na nossa vida vimos crianças e pessoas jovens a serem consultadas e a participar ativamente em assembleias, debates e em processos de tomada de decisão sobre assuntos que lhes dizem respeito?

Neste caso, e mais uma vez, as vozes das pessoas mais jovens são esquecidas e silenciadas, contribuindo para tensões geracionais e para que as pessoas jovens permaneçam numa posição de subordinação. A ideia dominante de que as crianças são apenas cidadãs em vias de o ser e de que não têm maturidade nem competências para participar contribui para que estas continuem excluídas de processos de participação cidadã nas suas escolas, nos seus bairros, nas suas cidades. No sentido de mitigar este cenário, a escola – a par das famílias e restante sociedade – deve ter a responsabilidade de apoiar as pessoas jovens nos seus processos de construção cidadã, reconhecendo e valorizando as suas participações e intervenções, incentivando a sua autonomia, promovendo o diálogo, a interação social e o respeito pela diversidade.

Simultaneamente, assistimos a um discurso, de certa forma, contraditório, uma vez que os pais que argumentam que a participação nas atividades de Educação para a Cidadania pode representar uma imposição de ideologias são os mesmos que defendem que são os próprios pais que devem escolher e ditar aquilo que crianças e jovens devem aprender. Não deixa de ser ideológico e doutrinário querer formatar e castrar jovens impedindo-os/as de participar em atividades em que poderão conhecer os seus direitos e responsabilidades democráticas e compreender a importância da sua participação na sociedade.

Afinal o que há de errado e de ideologicamente perigoso em criar um espaço coletivo, aberto e plural onde pessoas mais jovens poderão questionar o mundo que as rodeia, discutir temas e desafios sociais e ambientais, locais e globais, no sentido da produção conjunta e colaborativa de uma sociedade socialmente mais justa? Num contexto em que é tão urgente fortalecer a democracia, construir laços e união na diversidade, chega a ser contraproducente a ideia de eliminar a possibilidade de crianças e jovens terem acesso a contextos educativos livres de preconceitos e estereótipos, que promovam o diálogo construtivo, o respeito pelas outras pessoas, o pensamento crítico e criativo.

Por outro lado, é importante também ter em conta que a escola deverá trabalhar no sentido do combate às desigualdades sociais e educacionais, apoiando estudantes de contextos sociais e económicos mais desfavorecidos. Se o acesso desigual a recursos essenciais e de formação coloca jovens estudantes em situações de desvantagem social, a escola deverá contribuir para que crianças e jovens tenham as mesmas bases e oportunidades. Desta forma, a aprendizagem da cidadania na escola é um caminho para nos aproximarmos da igualdade, no sentido do fortalecimento do conhecimento, de competências e valores como a liberdade, solidariedade e cooperação.

Acreditando que o exercício da cidadania se faz participando, agindo e interagindo e no confronto com as diferenças e os conflitos, é fundamental reconhecer e incentivar crianças e jovens enquanto atores sociais e políticos competentes. Considerando e incluindo a multiplicidade de olhares e vozes jovens, as suas formas de expressão e participação, enriquecemos a cidadania, afirmamos direitos humanos e caminhamos para a construção de democracias mais sólidas e inclusivas.

 

Ana Garcia

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