Artigo de Opinião

Atenção: É um caminho perigoso! Prossiga com cuidado!

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Na penúltima semana do mês de setembro, o partido político ‘Chega!’ apresentou na sua convenção politica uma moção para permitir a remoção dos ovários de todas as mulheres que recorrerem ao Serviço Nacional de Saúde para realizar uma interrupção voluntária de gravidez caso o motivo de tal escolha não se baseie no resultado de uma violação física ou malformação do feto, bem como outra proposta de legalização do recurso à castração física como punição para os condenados do crime de violação de menores.

A votação resultou na rejeição da aprovação destas moções tão extremas. Esta foi, obviamente, a decisão mais lógica e acertada, porque nunca deviam sequer ter sido propostas numa convenção política. A Constituição Portuguesa não permite a adoção de medidas tão brutais, dado que atentam contra a integridade física do ser humano e desrespeitam a Declaração Universal dos Direitos do Homem – além de que a primeira moção referida neste artigo ignora completamente o direito do poder e controlo que uma mulher tem sobre o seu corpo.

Na minha opinião, a parte mais perturbadora que sublinho de toda esta situação é o facto de que, apesar dos votos que a primeira moção recebeu a favor corresponder a uma minoria dos militantes do partido, esses podem facilmente multiplicar-se caso consigam convencer ilusoriamente mais pessoas de que este tipo de ideias são a solução para controlar e modificar os aspetos mais controversos da sociedade. Se permitirmos o desenvolvimento deste cenário, iremos acordar um dia para testemunhar que esta infestação se espalhou de tal forma que, de repente, encontramo-nos numa posição em que este tipo de ideias – tais como a remoção de ovários e a castração química – passam a ser erroneamente alvo de análise, debate e consideração por serem soluções menos extremas quando comparadas a outras que são mais chocantes – tais como a mutilação e a castração física -, esquecendo que ambas as ideias são igualmente impensáveis e de uma natureza desumana e cruel.

A verdade é que toda esta cena francamente lamentável transmite a sensação de fomos transportados para uma época da nossa historia em que ideias semelhantes eram aceites e incentivadas pela sociedade, e o verdadeiro choque e horror ocorre naquele instante em que te apercebes de que podes estar no precipício de um retrocesso histórico que envergonha e desrespeita o trabalho de todos aqueles que, ao longo dos séculos, lutaram pela evolução da mentalidade social face a vários problemas de crueldade, tortura e humilhação.

A propagação deste tipo de ideologia pode trazer consequências graves e alarmantes em termos políticos. O partido ‘Chega!’ tem demonstrado mil e uma vezes a sua intenção de alterar a Constituição para o seu próprio benefício, ou seja, para que esta não seja mais um impasse para a validação das suas propostas excêntricas. Creio que todos já tivemos a oportunidade de estudar as consequências que as propostas e os discursos como os que este partido apresenta tiveram durante outras épocas históricas. O que eu retive dessa análise foi que a forma mais fácil de um líder chegar ao poder baseia-se na persuasão da tão caraterística parte da sociedade que é facilmente manipulável – a população que se sente ameaçada pela liberdade que a democracia oferece, a que é contra a corrupção, a que defende ideias retrógradas – e que procuram a solução para estes problemas num partido que nem sabem ao certo quais são as verdadeiras intenções.

Desde que este partido e o seu líder têm apresentado propostas polémicas, fiquei com a impressão de que a maioria das pessoas prefere desvalorizar os seus discursos e as ideias absurdas que defendem, alegando que o país jamais deixaria que um homem com tais valores governar. Tudo o que sei é que, face à promessa de uma mudança extrema nos ideais de governação do país que permite resolver os seus problemas, o povo normalmente arrisca e confia num futuro melhor, ignorando a amarga possibilidade dessa mudança custar privilégios e liberdades que conseguimos obter com muita luta – os Estados Unidos da América e o Brasil são dois exemplos famosos da situação que acabei de descrever.

Para concluir, lanço apenas esta pergunta: qual a melhor abordagem perante um problema deste calibre? Ignorar as ideias fascistas e tóxicas defendidas por este partido e subestimar a sua capacidade de contagiar a população mais vulnerável, ou analisar todas as intervenções deste partido, tentar compreender qual o seu objetivo principal e alertar para os perigos que possam surgir ao permitir a discussão de ideias que desrespeita a liberdade e dignidade do ser humano?

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