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Crónica

A liberdade morre quando a dizemos

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A liberdade aplicada ao ser humano, no sentido lato, traduz-se enquanto condição de uma pessoa que não está sujeita a submissões exteriores de qualquer natureza.

Atribuindo-lhe um sentido mais restrito e íntimo diria que é a capacidade de um indivíduo poder optar, de acordo com a sua vontade, por si só.

Todavia, este conceito é, para mim, uma verdadeira ilusão à qual atribuímos o sentido que nos é possível. Confrontados com as limitações conhecidas quando evocamos esta noção, a “liberdade” passível de incorporarmos é uma espécime desvertebrada e dotada de falhas. Ou melhor dito, um sub-tipo rafado daquilo que é real universo de um ser livre.

De facto, são múltiplos os vetores que nos condicionam desde que abrimos a goela – sem que fosse essa a nossa expressa vontade – em sinal de vida.

Desde logo, os fatores biológicos moldam o nosso humor, o nosso estado de espírito, a propensão para desenvolver doenças, patologias e até o sentimento de atração por outra pessoa. As reações químicas e físicas do domínio do nosso universo interior são uma cadeia de mecanismos que atuam para nos recortar as vontades e definir comportamentos-padrão.

Acenando ao trinómio Queirosiano, o meio, a educação e a hereditariedade são os Pai, Filho e Espírito Santo da complexa instituição que se ergue aquando do nosso desenvolvimento. Estas correntes que nos envolvem durante a vida, imprimem forma ao nosso âmago que se vai esculpindo através de todas estas ramificações.

Enquanto ser social, somos amplamente afetados pelo pensamento geral dos nossos pares. Para cativarmos, impressionarmos ou nos sentirmos partes integrantes de um núcleo, adaptamo-nos ao meio num movimento ondulante e fugaz que nem Darwin compreenderia.

As experiências que vamos acoplando no estendal da nossa relação com o mundo, os traumas, as vitórias, as aprendizagens, as inspirações poderão refletir-se em nós e voltar para o vazio ou ser por nós absorvidas no recalque da memória presente.

Um Senhor Italiano que lutou na guerra enquanto opositor de Mussolini nos anos quarenta, cantava todas as noites para a esposa o “Bella Ciao”. Não ter a liberdade como direito fundamental assegurado fê-lo estar pronto a dar o seu sopro em prol dela. Contudo, para obter este bem, cedeu a sua liberdade individual, abdicou das possibilidades infinitas que se afiguravam possíveis, pois o seu espírito tinha em si cunhado esta missão. Assim, sem se aperceber, a sua ideologia tirou-lhe a liberdade dando-lhe apenas uma opção: a da luta.

Tendo em conta estes e os tantos outros canais de possibilidades imagináveis e inconcebíveis, só posso concluir que, à luz do sentido em que aplicamos este conceito, não poderemos, jamais, ser livres de forma plena.

Ainda que assim pense, o desânimo não me aflige. Primeiro, tendo a não me incomodar pelo que não passa por mim numa ode à filosofia de Caeiro. Continuarei a ser igualmente livre, mesmo que me insurja quanto a esta realidade natural, por isso, prefiro explorar formas de me potenciar no mundo que me é possível tocar.

Por outro lado, sei que o recôndito pedaço em mim que é capaz de voar, goza de autonomia para poder decidir sobre o que só à minha vida respeita. Vivo num país organizado sob alicerces democráticos que me confere rédeas próprias para que as puxe à minha discrição. Sabedora das consequências desse ato e preferindo-as para mim, poderei ativá-las. Minto. Ainda que o ato não seja esclarecido não deixará de ser livre se tal concorrer com a minha vontade.

Assim, leitores de olhos menos iluminados, não deixem o vosso ânimo desvanecer por tal conclusão. Prefiram antes a consciência deste facto e brindem à liberdade de pensamento que é o que por nós escorre orientado pela razão, sensibilidade, cultura e tudo isso que nos continua a martelar os parafusos do condicionalismo livre!

 

Márcia Branco

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