Crónica

Entre leituras: a Imaginação

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Quando foi a última vez que abriu um livro? (isto se em algum momento da sua vida abriu um e, que fique claro: os manuais da escola ou os “calhamaços” fotocopiados da faculdade, não contam). Refiro-me a um livro, um bom livro que o faça viajar sem sair do lugar, sentir paixão ou ódio, talvez aprender algo que não era suposto, um devorar ou apenas um deixar-se ir quando o tempo lhe permite. Acredito que já me cruzei com os mais variados tipos de leitores, desde quem prefira um bom romance antes de ir dormir até àqueles que se perdem na constatação de factos sobre a história de um País repleta de encruzilhadas. Ainda assim, não querendo focar a atenção naqueles que já descobriram o encanto da leitura, independentemente do tipo, gostaria de vos chamar a atenção para a importância que a leitura tem nas nossas crianças.

Todos sabemos que a evolução tecnológica, a web, as redes sociais e tudo o que pertença a esta família digital de coisas e coisinhas, tem sido o chavão da última década. Hoje, as crianças nascem a saber “saltar” os anúncios do vídeo no Youtube, as birras já não são para ir jogar à bola com o vizinho (aliás, agora essa é muitas vezes a luta dos pais) e torna-se difícil que todos se sentem à mesa à primeira vez que são chamados porque há que fazer scroll no Instagram (se calhar estou um quanto desatualizada, suponho que agora já seja o TikTok). Nada contra o digital, nada contra as redes sociais, que eu própria utilizo com gosto; acho que como tudo têm um lado positivo e um negativo. Porém, as nossas crianças precisam de ser crianças e, imaginação é um ponto chave de o ser.

E agora estarão a perguntar, imaginação? Leitura? Ser criança? Mas eu sou adulto e, provavelmente, nem sequer tenho filhos, porque é que isto me interessa? Bem, começando pelo fim. Interessa porque vivemos num mundo construído constantemente por todos nós, envelhecemos e esta construção contínua passa a pertencer aos novos adultos, tal como agora nos pertence. As gerações (expressão utilizada sem qualquer rigor semântico) podem deixar a sua marca, mas ninguém fica eternamente por cá. Assim, importa mesmo perceber o que estamos a fazer com as nossas crianças, como é que as estamos a educar, quem vão ser os nossos adultos amanhã, que tipo de pessoas se irão tornar?

Suponho que todos vocês, assim como eu, gostariam de ter adultos criativos e com imaginação, que não se limitem a obedecer e a pintar dentro das linhas. Na minha opinião, estamos a remar precisamente no sentido oposto. E porque é que eu digo isto? Resposta fácil de dar, este ambiente das coisas e coisinhas digitais, que tornam o mundo mais fácil e à mão, está a tornar-se o core da nossa sociedade: a maioria de nós procura facilitismo e rapidez em tudo: na nossa relação com os outros, no trabalho, na escola, nas histórias; desistindo facilmente do que exija mais do que uns simples cliques.

Há dois verões fiz uma experiência bastante interessante. Estava a trabalhar com crianças (a mais nova com 5 anos e a mais velha talvez tivesse os seus 12/13) e uma das atividades que decidi realizar foi dar-lhes uns lápis e uma folha em branco, pedindo-lhes a seguir que desenhassem qualquer coisa, o que lhes apetecesse. Relembrando o quanto eu adorava que me pedissem o mesmo em mais nova. Imaginem a minha admiração quando nos 10 minutos seguintes, todos ficaram estáticos, perdidos, com os olhares vazios e a implorarem por uma ordem, qualquer coisa, um tema, uma ideia, porque não sabiam o que desenhar… Não tinham imaginação nem criatividade, precisavam de uma ordem. Perante a liberdade de imaginar, sentiram-se inconscientemente presos. Não será este motivo suficiente para preocupação?

Depois, com o passar das semanas fui reparando em pequenas coisas como: telemóveis em todos os segundos que conseguissem, hábitos de leitura quase inexistentes (e os existentes, claramente, eram forçados pelos pais e professores). De seguida, comecei a prestar atenção às crianças que me rodeavam, na família, no café, nas compras, nos transportes públicos. E olhei para os últimos anos da minha infância, que também foram fortemente influenciados pela ascensão do digital.

Acredito que já tenham percebido onde eu queria chegar, no entanto, estarão a tentar entender porque é que comecei a crónica a falar de leitura e de livros e, estou para aqui a falar de crianças e a partilhar episódios que vivi (com uma clara chamada de atenção a algumas consequências do digital). A meu ver, a leitura insere-se aqui como uma forma indispensável para combater a falta de imaginação e criatividade (para não falar de outros aspetos, sociais, de desenvolvimento cognitivo, de um “Bom Português” e afins).

Os livros permitem-nos imaginar, aliás, obrigam-nos a visualizar na nossa cabeça a imagem da personagem principal, a sua voz, a forma como anda, como sorri, como olha. Cada episódio é construído metade/metade, o escritor dá-nos a base e depois depende sempre da nossa interpretação, do nosso olhar. No entanto, quando vemos um filme (por exemplo), acontece que tudo nos é dado, a personagem principal é x, estamos a vê-la tal como ela é, não há muito por onde inventar. Assim, chego ao ponto que queria: os livros ajudam-nos a trabalhar a nossa imaginação, fazem-nos pensar.

Agora levanto a questão: não seria importante dar às nossas crianças o poder da imaginação? A liberdade de sonhar e de pensar? Ajudá-las a trabalhar a criatividade, auxiliar a forma como crescem e veem o mundo? Custa tirar o telemóvel, “tirá-las” das redes sociais, dos vídeos do Youtube, de tudo o que este novo mundo trouxe. Mas podemos ajudar a dosear, motivando e incentivando a leitura; enquanto família, amigos ou apenas cidadãos.

Assim, desafio-o no Natal que está para chegar (e, já que este ano nos incentivam a fazer as nossas compras mais cedo) a oferecer livros às crianças (e aos adultos também!). Semeiem o gosto pela leitura nos vossos e, se for o caso, até em vocês!

 

(Já agora, aproveitem e ajudem as livrarias das vossas cidades, o comércio local, que como é de conhecimento de todos, atravessa uma fase difícil e precisa da nossa ajuda!)

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