Devaneios

O Meio

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Ele era um de nós
Antes de nos ter declarado guerra
Mas era apenas um
E ao primeiro movimento da bandeira branca
Pensamos que a trégua estava próxima

“Encontramo-nos a meio”
Disse o homem do outro lado da barricada
E nós demos um passo em frente
Confiantes no compromisso da palavra dada

Mas ele deu um passo atrás

“Encontramo-nos a meio”
Repetiu o homem atrás de nova barricada
E nós, já na terra de ninguém,
Para não nos distanciarmos mais da resolução prometida
Demos um passo em frente

E ele, escavando novas trincheiras,
Voltou a recuar

Entre os nossos avanços e os seus recuos
Chegamos ao limite do que imaginávamos possível
E, apenas com o precipício atrás de si,
O homem injusto gritou
“Encontramo-nos a meio”

E saltou

Enquanto caía, a sua voz repetia
Ecoando pelas paredes do abismo
“Encontramo-nos a meio”

E nós, já tão longe do ponto de partida,
Fascinados pelo desconhecido
Saltámos também

No fundo do poço moram os monstros
O reino que ele prometera aos seus
A prisão a que voluntariamente nos tínhamos condenado

No fundo do poço já não há meio
Já não há passos que nos encurtem distâncias
Só um círculo, como todos, fechado
No fundo do poço já não há liberdade
Só as paredes que não conseguimos escalar

E ali, no círculo único do nosso Inferno,
Percebemos que o homem sábio não tinha razão
Há diferença entre o certo e o errado
Entre o tolerável e o execrável
Entre a justiça e o sacrifício

Desde as garras do tirano pedimos
A quem ainda estivesse acima do poço
À nossa última esperança de resgate
Aos que atraiçoamos com a nossa deserção
Se ainda nos conseguirem ouvir

“Não nos encontrem a meio”

 

baseado num tweet real

 

Francisco Caetano

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