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Devaneios

Tempo sem fim

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Uma poeira no cosmos.

Um espaço correndo em espiral.

Um tempo sem fim.

Um grão na engrenagem.

Um buraco negro: a boca do inferno. Quem cair num desaparece para sempre. Mas para onde?

Será que o tempo e o espaço também desaparecem? Por vezes sim. Fico sem chão, sem ar, sozinha.

Os dias avançam no encalço de uma ruína iminente. De todos os lados somos bombardeados com informação num “bla bla bla” que não parece ter fim. Medo, incerteza e dor. Lá fora, o silêncio humano torna-se maior, a natureza torna-se mais audível. Pássaros cantam hinos de alegria, a vegetação reverdece: a humanidade chora enquanto a natureza respira.

Queria. Queria gargalhadas sonoras, o aconchego de um abraço, viver sem intervalo. Não somos livres no que fazemos porque não somos livres no que desejamos.

As nuvens avançam, a brisa arrefece, as árvores vão ficando despidas. E o vírus é o mal, massa de cor indefinida a galope num cavalo enfurecido. Continuamos a separar tudo em dois lados dicotómicos. O bem e o mal. O correto e o incorreto. O branco e o preto. E é em momentos de incerteza que não parece haver uma cor para nada. Um nome para nada. Um sentimento para nada. O universo revela-se muito mais complexo do que as dicotomias que estabelecemos com tanta frequência. Mas poucas coisas são tão claras como nós as imaginamos. Nem tudo é branco. Nem tudo é preto. Há toda uma escala de cinzentos que põe à prova a nossa força e bravura para enfrentar esse terreno desconhecido.

Os dias ficam pálidos. A terra adormece, mas não totalmente. Debaixo dela há uma congeminação constante: galhos, folhas caídas, musgos, bichos, micro-organismos compõem o húmus. E o húmus é um composto de renovação. Um sinal de que nem nos momentos mais obscuros há falta de vida. Pelo sol de inverno que rasga a memória do outono, caminho. Nos interstícios do meu pensamento, sou livre. Na aura da minha solitude vive o tempo. Tempo de audácia. Tempo de amar. Tempo de viver. E vejo: nem tudo é assim tão diferente de outrora. Os pássaros ainda cantam para mim; o céu ainda se revela em cores diferentes todos os dias. E eu? Onde me insiro neste ciclo de eterno retorno quando à minha volta tudo parece colapsar? Falta alguma coisa. Perco-me no meio de sonhos que me esqueço de sonhar até ao fim. A incerteza é como uma espada afiada pendendo sobre a humanidade. Fascina-me como um único lugar pode juntar tanta dor e felicidade durante tantas gerações.

Quando nos esquecermos da infeção, vamos lembrar-nos da lição? Ficará marcada nos nossos corpos ou na nossa memória? Ou estarão as emoções e os factos em ligação permanente? As cicatrizes são marcas que sempre nos lembrarão os infortúnios que tivemos de enfrentar. Mas sabemo-lo agora mais do que nunca. Há um lugar que nunca será preenchido, e nós vamos esperar e esperar e esperar nesse espaço. Mas nem todos os espaços vazios têm de ser preenchidos. Porque afinal, há sempre uma luz que não se apaga, um caminho a percorrer… e, depois do longo inverno, virá sempre a primavera.

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