Devaneios

O relógio que não para

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Acordei de manhã, senti um vento delicado que me arrepiou, dirigi-me para a cozinha e arrepiei-me ainda mais. Vi um papel com uma receita e uma letra que reconheço ao longe, a letra da minha avó. Cada letra transportou-me para uma memória, memórias felizes, memórias doces. Apercebi-me que esta é a receita do amor.

Entro no meu quarto e ouço o som constante do ponteiro do relógio. O tempo não para. Peguei numa pequena caixa recheada de memórias, fotografias, lenços e o cheiro de uma pessoa que vou amar até ao meu último suspiro. Isto conforta-me.

O som do ponteiro do relógio continua a fazer-se ouvir. Fez-me lembrar das manhãs sonolentas em que me deitava ao lado da minha avó a ver as primeiras notícias da manhã até voltar a adormecer. Ansiava que o ponteiro chegasse até às 10h para me poder levantar, abrir a porta e sentir o cheiro do almoço que estava a ser preparado. Ninguém cozinhava tão bem como ela.

Hoje recordo isto com o coração estilhaçado, por já não a ter fisicamente, por não ter o abraço mais carinhoso do mundo, por já não poder fazer telefonemas e contar-lhe as minhas conquistas, por não ouvir e ver aquela gargalhada. O relógio não para, nem a minha saudade.

Esta foi mais uma manhã em que o relógio me fez ver que o tempo é escasso e que os momentos têm de ser aproveitados. O relógio nunca parou, mas eu só me apercebi do seu som quando perdi o amor físico de uma pessoa que iluminava a minha vida.

Artigo da autoria de Inês Ribeiro

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