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Artigo de Opinião

Aí está Marcelo a jogar

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Foi no debate de ontem, contra Tiago Mayan Gonçalves, que Marcelo Rebelo de Sousa finalmente pôs de parte o politicamente correto, as respostas vagas e automáticas e as fugas às perguntas para verdadeiramente atacar e debater. Deixou de ser o presidente confiante que apenas joga à defesa para voltar a ser o candidato aspirante a presidente. Marcelo passou o debate a olhar fixamente nos olhos de Tiago Mayan com o seu sorriso complacente e a sobrancelha erguida, como um abutre paciente.

Vamos então ao ponto mais importante, o momento em que Marcelo usa a defesa como o melhor ataque, questionando o adversário com a pergunta “Que lei vetava que eu não vetei?”. Perante a questão, Tiago Mayan Gonçalves apresenta-se como em todo o debate: hesitante, estarrecido, nervoso, marcas claras de alguém pouco habituado a estas andanças. Deixou por esclarecer demasiados pontos concretos.

Mas Marcelo voltou a usar a estratégia anterior passado alguns momentos, criticando os liberais por serem contra a declaração do estado de emergência sem apresentarem alternativas. Nisso, Tiago Mayan foi coerente com o seu partido e continuou a não apresentá-las. Não explicou também que alternativa propõe ao Sistema Nacional de Saúde, vital no combate à pandemia, e não contra-argumentou falhas de governos liberais que vigoram noutros países. Afirmou por inúmeras vezes ser liberal mas nunca esclareceu o eleitorado sobre o verdadeiro significado de tal identidade.

Marcelo não é só catedrático no mundo universitário. É também catedrático em debates e no que toca a experiência política. E, mesmo assim, Tiago Mayan pouco parece ter-se preparado. Há questões em que não se tocam. Confrontar Marcelo sobre a Constituição é o mesmo que confrontar o Papa sobre a Bíblia.

Por via dessa falta de preparação notória, Tiago Mayan perdeu uma grande oportunidade de ser implacável. A certa altura, Marcelo afirma, numa espécie de vitimização falsamente humilde, que foi autarca durante vinte anos no concelho mais pobre (na altura) de Portugal, Celorico de Basto. Tradução: foi presidente da Assembleia Municipal, tendo assim a oportunidade de visitar a sua terra natal duas ou três vezes por semana. Mas há outro pormenor. Marcelo afirma que foi autarca em Celorico e não em Lisboa ou no Porto. “Bom”, Marcelo não foi autarca em Lisboa porque perdeu as eleições contra Jorge Sampaio, numa campanha em que poucos o conheciam, em que estava longe de ser uma primeira escolha e em que, para ganhar popularidade, acompanhou lixeiros, conduziu táxis e saltou para um rio Tejo cheio de doenças.

Não deixa de ser irónico que Tiago Mayan, um candidato que entra apenas agora no mediatismo político e que é apoiado por um partido novo, acuse uma das figuras mais conhecidas de Portugal de perseguir a popularidade. O que é suposto um candidato que vê as sondagens darem-lhe uma força tão expressiva nas caixas de voto fazer? Ser humilde e tentar afastar alguns eleitores, para a disputa ser mais renhida?

Se João Ferreira tinha saído esmurrado do debate contra André Ventura, Tiago Mayan Gonçalves sai do debate contra Marcelo Rebelo de Sousa de maca. Foi até penoso um momento intermédio do debate, em que se vê um Tiago Mayan completamente encurralado pelas questões de Carlos Daniel e pelas interpelações de Marcelo Rebelo de Sousa, que por vezes apenas estendia os braços, numa espécie de “nem preciso de dizer mais nada”.

Os próximos debates de Marcelo vão ser complexos e desafiantes e não se adivinham tão simples como os dois últimos. Já Tiago Mayan vai ter um trabalho ainda mais difícil se aparecer nos debates tão bem preparado como apareceu no de ontem.