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Crítica

A Música de 2020

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Para muitos, 2020 foi um ano atípico. Para mim, mais do que atípico, foi um ano particularmente vápido. Culturalmente, tivemos, com algum grau de certeza, o ano menos prolífico deste século. A Cultura tem sempre de ser entendida como uma manifestação pública, como um rochedo que percorre uma montanha de alto a baixo com o mero intuito de se escacar em finos pedaços. Estes, posteriormente diluídos nas margens de um qualquer rio, virão a formar as pontas das setas com que desbastamos a vida. Cultura não é instabilidade. Cultura não é desinvestimento. Tem de haver sempre pedra. Sem pedra não há vida, não há rio nem montanha. Há apenas o breu que, jorrando incólume, nos arresta na travessia. 2020 não foi breu, mas sim deserto. E, como em qualquer deserto, a fauna e a flora, apesar de contidas na sua exuberância, colaboram industriosamente na sua construção. É necessário reerguer a montanha, invadir o deserto e… festejar o Burning Man de 2021? Talvez não seja necessário tanto, mas fica a sugestão.

Para alguns, Bring On the Lucie (Freda People) teria sido o tema perfeito para o período de confinamento que atravessámos. Para outros, como eu, mais desgastados com o pós, Happy Xmas (War Is Over), com as pertinentes e previsíveis alterações ao título e refrão. Não foram estes os temas com que 2020 nos presenteou, mas recordemos John Lennon no ano que marcou o 40.º aniversário da sua morte.

Em Janeiro, Destroyer contemplou-nos com Have We Met, a última entrada numa carreira com mais de duas décadas. Um álbum único, pejado de um lirismo invulgarmente cru, projectado por uma instrumentação sóbria, que invoca o minimalismo eletrónico dos álbuns tardios de Leonard Cohen. Dan Bejar nunca fez questão de negar que as suas influências vivessem na sua música. Laziest River, destaque do icónico Kaputt, de 2011, é prova disso. Pessoalmente, seleciono Kinda Dark, The Man in Black’s Blues e foolsong como os destaques de um álbum que considero o melhor do seu género em 2020.

Em Maio, foi a vez de Perfume Genius lançar o seu Set My Heart on Fire Immediately. Não há inocência na fotografia escolhida para ser capa deste álbum. Mike Hadreas aparece-nos semi-nu, mas o corpo, fragilizado pela doença de Crohn, escultórico, não dá mostras de ceder.  É difícil não ser contagiado pelo perfume do cantor americano. O álbum exala sexualidade, convida-nos para a sua intimidade, partilha segredos, revela fraquezas. Destaco Jason, Your Body Changes Everything e Nothing at All.

Estranhamente, Agosto testemunhou o regresso de Phil Elverum aos Microphones, projecto em hiato desde 2003. Microphones in 2020 é um álbum que contém uma única faixa homónima, com duração de aproximadamente 45 minutos. É um álbum instrospectivo, íntimo, que aborda as origens do artista, a criação dos Microphones e o seu fim que, posteriormente, cedeu o seu lugar a Mount Eerie. Nascimento, decadência e morte são temáticas abordadas recorrentemente neste álbum, apontando directamente à vida do artista. Esteticamente, recorda um álbum de Sun Kil Moon (Mark Kozelek).

Ainda em Dezembro, There is a Tide, do conceituado saxofonista Chris Potter, que já passou pelo Porto em algumas ocasiões, é um álbum quase conceptual (pelo menos na parte textual e gráfica), marítimo, que nos transporta para águas calmas. Pontuado por uma instrumentação enérgica, que transpira influências do folk, do bossa-nova, e principalmente do Ethio-jazz, There is a Tide é uma obra única no panorama musical de 2020. Destaco Like a Memory, Drop Your Anchor Down e New Life (In the Wake of Devastation).

Finalmente, merecem uma nota de destaque os álbuns Punisher (Phoebe Bridgers), Fetch The Bolt Cutters (Fionna Apple), Whole New Mess (Angel Olsen), May Our Chambers Be Full (Emma Ruth Rundle) e Gold Record (Bill Callahan).

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