Artigo de Opinião

Falou-se sobre tudo menos sobre a Presidência

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Acabaram os debates frente-a-frente para as eleições Presidenciais. Começaram feios, com o debate entre João Ferreira e André Ventura, mas acabaram intensos e, embora não em todos os casos, esclarecedores. Começa agora uma estranha campanha que se misturará com um confinamento geral, apenas interrompido para consagrarmos o nosso direito de voto.

Uma marca geral destes oito dias de confronto de ideias foi a desvirtuação do verdadeiro tema destas eleições: a Presidência da República. Falou-se sobre demissões de ministros, não dos verdadeiros poderes de um Presidente. Falou-se do caso de José Guerra, mas não vai ser esse o centro das atenções dos cinco anos de mandato do próximo Presidente. Não se falou sobre os PALOP e a língua portuguesa. Não se falou sobre o estabelecimento de tratados internacionais. Não se falou sobre as alterações climáticas. Não se tocou nas Forças Armadas. Não se abordou a transição digital. Formas de combater a abstenção não foram sequer assunto. Concluindo, falou-se sobre tudo menos sobre a Presidência.

Quanto aos debates do último dia:

O debate entre Ana Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa começou cordialmente e acabou bastante vivo. Penso que foi o único em que se falou inteiramente sobre a Presidência e não sobre temas paralelos. Ao início, sentia-se Ana Gomes a apalpar terreno. O problema foi quando empurrou a prudência para o canto do prato e, a tentar temperar o debate, trincou uma malagueta. Em certos momentos, foi claramente deselegante e chegou até a jogar baixo, nomeadamente quando tentou colar Marcelo a Ricardo Salgado e quando disse que Marcelo “fala sobre tudo”. As feições deste, por sua vez, nunca são capazes de esconder a reação ao que está a ser proferido pelo adversário.

O ainda Presidente, como já é habitual, dominou o adversário. É um candidato institucional, aglutinador e muito ponderado e pensativo. Não diz simplesmente o que lhe vem à cabeça, erro em que Ana Gomes cai amiúde. Espera-se uma posição mais sensata de uma “senhora embaixadora” e, se for eleita, terá que suavizar radicalmente essa sua faceta. É até uma faceta irónica quando considera que Marcelo foi o maior desestabilizador da democracia dos últimos anos. Apresentou um discurso cheio de contradições e viu-se diante de um candidato com a resposta pronta para todas as perguntas, deixando tudo em pratos limpos.

Mas não foi esta a declaração absurda e exagerada de Ana Gomes. Foi quando disse que o Chega pretende fazer uma “limpeza étnica”. Devemos encarar todas as ameaças à democracia de forma séria mas não podemos proferir frases que nos fazem recordar diversos eventos históricos assustadores de forma tão leviana.

Já no debate entre Marisa Matias e Tiago Mayan Gonçalves não se falou propriamente sobre questões presidenciais. Foi, como já tinha acontecido no debate entre Tiago Mayan e João Ferreira, um duelo de ideologias. Confesso que, com o que tem acontecido em alguns debates, me contento com pouca substância. No entanto, ambos falaram muito para o seu próprio eleitorado, apenas com o objetivo de o segurar. Ninguém pensará que um apoiante de Marisa Matias, depois do debate, pense “este tal Mayan até diz umas coisas que eu gosto, afinal vou votar nele”.

Muito se fala agora em adiar as eleições. À bom português, deixamos tudo para a última. A verdade é que, como Marcelo Rebelo de Sousa lembrou, todos os partidos e candidatos foram ouvidos sobre a data escolhida. De hipocrisia está a política cheia. Não é momento, nem há sequer tempo, de rabiscar a Constituição à pressa.

Uma pessoa eu sei, sem a menor dúvida, que vai com força a todas as caixas de voto do país, mas apenas para ficar a ver. Infelizmente, é imune à covid-19.

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