Crónica

A síndrome da fita-cola

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Não tenho opiniões, tenho dúvidas. Dúvidas se Deus existe, se a coincidência é um fenómeno plausível, se pão com fiambre é melhor do que com manteiga, e se o meu avô jogou mesmo à sueca com o Eusébio na tasca aqui do bairro. E, por isso, questiono-me: que estirpe de ser pensante sou eu, cujo encéfalo se alimenta de incertezas e se perde em busca de respostas? Que condição é esta que me sentencia à hesitação constante, ao second-guessing permanente? Perdoem-me o estrangeirismo, mas, de facto, ao abordar a temática das patologias especiais – relacionadas com a própria espécie, entenda-se – torna-se imperativo recorrer à língua de Jesus Cristo (a personagem do filme “A Bíblia”, claro está).

Por falar em voltar às origens, se recuássemos milhares de anos e por obra e graça do Espírito Santo (seja lá o que isso for) eu nascesse no tempo em que a presa não vinha até ao predador numa bicicleta e era preciso dar corda às plantas dos pés e ir caçá-la, Darwin tratava-me da saúde em três tempos. Enquanto eu pensava, repensava, e voltava a pensar, já um mamute me tinha enfileirado uma presa de marfim pelo esófago adentro. Dou-me ao luxo, portanto, de existir num período que permite a dúvida, com espaço para a reflexão. Não confundir com um período com tempo. Este é um fenómeno extinto há cerca de 350 mil anos, por volta da altura em que raça humana começou a abençoar o planeta Terra com a sua presença. Coincidência? Não sei se acredito.

Voltando ao cerne da questão, não sei ter opinião. O que seria compreender uma série de premissas num raciocínio claro, coerente e conciso?! Doentio, seria absolutamente doentio… Eureca! Claramente que o problema está na opinião, e não na falta dela: a síndrome da fita-cola – para os mais ignorantes – é um transtorno que provoca espasmos involuntários durante os quais os indivíduos debitam todo e qualquer argumento, estruturado ou não, dependendo das restantes perturbações de cada um. Estes impulsos são remissivos e recidivos, podendo apenas ser suprimidos temporariamente. A única solução para que esta regurgitação infindável de ideias e conceções não seja audível é a colocação de fita-cola na cavidade bucal dos enfermos. Por favor, façam isto em casa.

Não querendo de todo desviar-me do ponto inicial, importa ressalvar que não padeço do fenómeno súbito e profundamente desagradável que é o ato de opinar. Mesmo assim, guardo carinhosamente no meu pensamento o sofrimento destes seres, sobretudo aqueles cujo fado é tão perverso e sentença tão desalmada, que são compulsados a opinar sobre a opinião. Peço a Deus que exista só para os abençoar.

 

Inês Araújo Silva

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