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Artigo de Opinião

A América tem sangue nas mãos

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Aconteceu há exactamente um mês. O dia 6 de janeiro de 2021 será uma data histórica, relembrada e estudada como o dia da tentativa de golpe de Estado nos Estados Unidos da América.

O que aconteceu não foi um verdadeiro golpe de Estado. Mas podia ter sido. Se os militares americanos fossem cegamente fiéis e leais a um Presidente, ao invés de fiéis ao país e leais à Constituição, estaríamos hoje a falar de um verdadeiro golpe de Estado na maior (por enquanto) potência do mundo.

O que aconteceu não foi um mero protesto. Foi um ataque bem delineado. Os invasores levaram capacetes, máscaras de gás e bastões. Treparam paredes, partiram janelas e arrombaram portas. Agrediram forças de segurança. Roubaram documentos confidenciais (aqueles que mais proclamam defender uma nação são também alguns dos que roubam documentos para vender à Rússia, veja-se a ironia). Fumaram dentro de gabinetes. Sentaram-se no lugar mais importante do Congresso (enquanto outros, entre tiros e agressões, avisavam que ocupar aquele lugar era ir longe demais).

O que aconteceu não foi uma surpresa. Passou surpreendentemente despercebido, mas, em maio de 2020, um grupo altamente armado invadiu o Capitólio do Michigan, num protesto contra a lei do confinamento obrigatório. Perante este acontecimento, o antigo (tão bom poder dizer isto) Presidente, Donald Trump, afirma no Twitter (já não o pode fazer) que “a governadora do Michigan devia ceder um bocadinho”, já que “estas são muito boas pessoas, mas estão zangadas”. Os manifestantes gritavam palavras de ordem como “Deixem-nos entrar” ou “Esta é a casa do povo”. Era o ensaio final para o que aconteceu em janeiro deste ano.

É incompreensível como uma nação tão preocupada e atenta a ameaças externas não tenha conseguido prever um ataque planeado há semanas nas redes sociais por forças extremistas. Seria incompreensível se o presidente não se chamasse Donald Trump.

Eu questiono-me: qual é agora a credibilidade internacional dos EUA?

Um país com 300 milhões de habitantes tem quase 1,5 milhões de militares no ativo. A China é o segundo país do mundo com maior despesa militar, tendo gastado 261 mil milhões de dólares em 2019. Em primeiro estão os EUA, que gastam quase o triplo. As forças militares norte-americanas estão presentes em cerca de 70% do mundo. Reino Unido, França e Rússia têm, juntos, 30 bases militares espalhadas pelo planeta. Os EUA, sozinhos, têm cerca de 27 vezes mais, cerca de 800 bases.

Esta prática não é comum a um presidente, mas ao país. A 1 de dezembro de 2009, num discurso em West Point, uma das escolas militares mais prestigiadas dos EUA, Barack Obama anuncia o envio de 30.000 soldados adicionais para o Afeganistão, numa operação com um custo de 30 mil milhões de dólares. Apenas nove dias depois, o mesmo Barack Obama é galardoado com o Prémio Nobel da Paz.

Esperemos que a política externa dos EUA se altere para melhor. Não que entre na fantasia de “paz e amor” nem que se comecem a tolerar ataques aos direitos humanos e aos princípios de um Estado de direito. Mas que o país perceba que é possível prosperar sem dominar militarmente o mundo e entrar em guerras que só alimentam as indústrias do armamento. As negociações e os acordos internacionais não podem ser feitos com sangue nas mãos. Ainda menos com a casa por arrumar.

Hoje sentimos que voltamos à tona. Que recuperamos o ar. Já não se vê um presidente entretido a jogar golfe enquanto milhares morrem de covid-19, a metralhar insultos numa rede social ou a dividir e separar. Até agora, Biden está a conseguir ser um presidente competente só por não ser Trump.

 

Artigo da autoria de João Paulo Amorim

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