Crónica

Como Calha

Published

on

Há muitos anos, tantos que já me esqueci de onde roubei a ideia, cunhei um método infalível para resolver os meus dilemas morais. Está, no entanto, limitado à logica binária que estas decisões mutuamente exclusivas costumam exigir. Baseia-se no método arcaico e amplamente documentado do lançamento da moeda. Mas com um volte-face. Se não gostar da decisão que o acaso me reservou, opto pela outra opção.

A ameaça do fatalismo é um tónico forte para a resolução de problemas. Por muitas tabelas de prós e contras que se rabisquem em cantos de folhas, por muitas discussões hipotéticas que decorram na nossa mente alimentadas pela água do chuveiro, não passam de isso mesmo. De cenários imaginados. Apenas quando somos confrontados com uma sentença, mesmo que ainda seja reversível, é que a balança decide para que lado deve irremediavelmente pender.

Porque é que não é tudo como calha? Porque é que insistimos em ser um dos gumes da lâmina do destino? Se tivéssemos a certeza de que estamos a tomar a decisão correta, que não estamos meramente a estimar qual é o mal menor, a dúvida nunca teria sequer surgido. Por outro lado, se deixarmos tudo nas mãos do acaso, nada nos garante que, mais tarde ou mais cedo, não seremos assombrados pelo fantasma da culpa. A de não termos decidido.

A vergonha de um “tanto faz” é semelhante à da cobardia. Não estamos a construir pontes. Nem, ainda que num ato hostil, a ter a frontalidade de as queimar. É apenas indiferença. Os sonhos que escaparam. As relações que ficaram por começar. Nem que fosse para as levar ao seu fim irremediável. Os livros que ficaram por ler, os filmes que ficaram por ver. Tudo o que insistimos em deixar em paz, à boleia de um encolher de ombros.

Se tudo fosse como calha, talvez fôssemos mais felizes. Ou talvez não. Mas esta questão, por muito surpreendente que pareça, não se prende com o fim obtido. É uma questão de princípio. Como seria possível alcançar a felicidade alienando-nos da vida? Como qualquer jogo de sorte, todos temos os nossos métodos. As nossas superstições. Os dias de glória e os dias de fracasso. O risco, felizmente, nem sempre é alto. Mas ninguém gosta de pensar no que ficou por ganhar.

Eu continuarei a lançar as minhas moedas. A deixar que a fortuna dê o primeiro golpe nos impasses que me surgem pelo caminho. Todavia, reservando sempre a estocada final para o meu lado da espada. Quase nunca com a astúcia com que Alexandre desatou o nó górdio. Perante a impossibilidade de agradar ao macedónio, comprometo-me a, pelo menos, fazer B Fachada corar de orgulho.

“Bem que podia ser tudo como calha”. Mas qual era a piada de deixar tanto da vida em paz?

 

Artigo da autoria de Francisco Caetano

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version