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Devaneios

Procurei o gesto animal

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1.

Procurei o gesto animal no teu nome, um qualquer resquício de sangue e nervos.
Prouvesse nele uma margem – ou antes a confluência de nossos rios.
Ignorava então que teu nome não é rio, mas terras,
um plural de areias de ilha infrutífera.

É papel dos substantivos a adição de estados,
alheios às substâncias apoderam-se das camadas íngremes,
das mais inacessíveis e das superficiais, às sílabas que te denominam
sem teres correntes que os destruam.

Por isso, sangue e nervos não cabem nos nomes das pessoas
ou assim julgamos quando em verdade os escondemos
com vergonha de os achar impróprios e polutos

(não estará a mácula
precisamente nos gestos superiores
próprios e impolutos
ou será a pureza uma incerteza ainda)

O teu nome não tem água
e da secura infinda viajei em demanda de um corpo
– é da natureza dos corpos o serem água
e eu tenho sede.

Quero o teu sangue, quero-te em estado puro,
quero a honestidade que o teu nome impede
e o sangue oferece
Pedir-te amor como quem pede água no deserto.
Pedir-te sangue
o incontrolável honesto sangue
– que esse, oposto à boca, nunca mente.

Transportei pela mão a tua solidão em flor
e esqueci o nome para dar forma ao corpo,
retirar-te-ia da abstração,
esse fulgor do dia que, longínquo, reduz e apaga a essência noturna.

Numa noite amei ouvir-te os passos lentos – a vida toda galgando.
Minha vontade de não partir pedia perdão por te querer perto
e por sentir roubar-te ao mundo.
Como quem encontra uma joia no chão e a leva consigo para o lar.
Os teus passos lentos sabiam o caminho da despedida
e meu desejo íntimo sofria de raptar-te

Sou Valentino enamorado da menina loira de esmeralda no dedo

2.

No princípio era o verbo
imprimia saudade na tua voz.
Depois do verbo o querer saber-te
esquecer o tempo
daquele relógio que pousavas e que escondia a tinta do pulso.
A princípio não saber falar-te com palavras outras
que não as do silêncio

O esboço de um verso azul no caderno
diz-me da nudez, da saudade
de uma lágrima que não era lágrima
mas sémen

(céus, como espero que minhas mãos nunca ganhem juízo)

Preciso da loucura para te ver sorrir
a lucidez de uma carta
(as tuas teimam em não chegar)
o grito de um poema que só pede que me fales
(que às vezes um poema é um só verso e basta)
o teu nome que me mate a solidão
talvez não o nome
que esse não é nem se quer animal
mas o sangue
peço-te sangue, um gesto desdito
ou és-me só assombração

imagino o lado direito vazio
da cama com o teu corpo
as tuas mãos nervosas
quanto o meu cigarro
enquanto mencionavas a China
meu cigarro morrendo por dentro
vejo o negro da noite nos teus olhos
pousados nos meus a sorrir
numa alegria que nunca houve

3.

é da natureza dos corpos o sentirem sede
peço-te água, só um pouco de água
pois não te quero por metáfora, mas por metonímia

e a tua gramática não me dá senão versos

4.

Sempre os outros
não havia senão nós e os outros
mas hoje o mundo tem novas populações.

A menina loira perdeu a esmeralda
e Valentino voltou-se para as morenas

Revisitação e reescrita de Procurei o gesto animal – YouTube

 

Clara Maria Silva

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