Crónica

Suspensos em constantes suspenses

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“Se fizermos explodir uma bomba, o nosso público tem um choque que dura dez segundos. Mas se o público souber que a bomba foi ativada, podemos criar suspense e mantê-lo num estado de expectativa durante cinco minutos.”

A conclusão é de Alfred Hitchcock, o produtor cinematográfico que lembramos como o “mestre do suspense”. Outorgamos-lhe a mestria de algo tão complexo porque nos conseguiu explicar e demonstrar o fenómeno enigmático que é o suspense de uma forma admiravelmente orquestrada. Hitchcock dizia que a melhor maneira de se livrar dos seus medos era fazendo filmes sobre eles. Esses medos acabaram por sair da sua mente e encontraram o caminho direto para as mentes de milhares de pessoas. Aquelas que procuram no cinema a satisfação de desejos constantes de escapismo, libertação e autoexpressão. Essa procura sempre foi satisfeita por momentos de suspense – o que nos expõe a universos desconhecidos capazes de proporcionar minutos ou segundos de êxtase por algo que ainda está por vir. Uma ação, parada num instante, que nos agarra num misto de expectativa e ansiedade. Apanhados nesse limbo de emoções, tentamos perceber o que é o suspense, esse portento a que conseguimos dar um nome, mas que nos sentimos incapacitados de explicar. Esse momento de incapacidade de reação, onde só nos envolvemos em medos, incertezas e adrenalina, será talvez das melhores sensações que vivenciamos enquanto seres sencientes. E talvez seja por isso que não a conseguimos explicar. Cria ilusões, em confusão, que se movem da nossa cabeça para a realidade, e depois para a nossa cabeça, depois para a realidade outra vez. Vivemos assim o suspense – fora de nós.

A aflição que não cabe em nós, a que não vivemos apenas nos cinemas, vive num tempo real e imaginado. Revela-se nos pré-momentos. Na formação de realidades futuras que nos assombram antes do tempo. O terror não existe no momento do estrondo, apenas na antecipação dele. E os nossos dias também se revestem tantas vezes em formas de suspense. Moldam ansiedades, medos e entusiamos. Porque lhes conhecemos demasiado as razões, os propósitos e os seus limites. É o suspense do amanhã que nos atormenta. Aquele que perdura e que não é instantâneo. Como se o pânico se instalasse num universo que nos é parcialmente conhecido. Há um desfecho que nunca conseguimos prever. Segundo os pensamentos de Hitchcock, essa é a melhor forma que o suspense pode adotar. Talvez estejamos a vivê-lo corretamente, apesar de toda a ansiedade que traz consigo. Talvez seja esse estado de expectativa constante que nos move na incerteza persistente dos dias. O cinema, esse mundo para onde tentamos tantas vezes escapar, será sempre a arte que imita a vida. Imersos nele, nunca conseguiremos escapar na totalidade.

É suposto sabermos quando certas bombas são ativadas. Entre esse momento e a sua explosão, absurdaremos a vida. Se vivêssemos constantes explosões inesperadas, nunca conheceríamos o desmoronamento anterior a isso e que acaba sempre por nos curar. A adrenalina contra a finitude.  Contra a consciência de que há um fim. Que nos faz acelerar. Que nos esgota o tempo. Limites? Até onde conseguiremos ir?

 

 

Artigo da autoria de Inês Lopes

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