Crónica

O Grande espetáculo do Mundo

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O grande espetáculo do Mundo pode revelar-se algo extremamente arrepiante e é no Grande Livro da História que encontramos os nomes dos seus maiores protagonistas. Os heróis, os vilões, reis, cavaleiros, ditadores e todos os outros cujos nomes foram esquecidos e nos antecederam foram aqueles que deram ao mundo a forma que toma hoje. É, claramente, impossível aferir de forma completa o significado da vida de qualquer pessoa no contexto da História humana. Quando tudo foi dito e feito, é difícil definir um homem ou uma mulher como o somatório das suas contribuições para o mundo, sendo que todas as circunstâncias que os rodeiam desempenham um papel fulcral na construção das suas personalidades. A pessoa pode ter sido boa, sociável, bela, mas, no final de contas, apenas o que alcançou interessa. E a diferença está mesmo aí: no que ela alcançou, no que fez e no que veio acrescentar de novo ao tão aclamado “grande espetáculo do mundo”.

Muitos são aqueles que se contentam em ficar na plateia, a grande maioria na verdade. Aqueles que levam as suas vidas mais ou menos despreocupadas, agarrados apenas aos pequenos prazeres do quotidiano que lhes foram dados após anos de estudo ou trabalho. Uma viagem ao Egito no Verão e, talvez, outra à Lapónia no Natal do ano seguinte, se o bónus de Inverno assim o permitir. São estes os espectadores, aqueles que constituem as pequenas peças da “grande máquina” que faz o mundo girar e mantém o fabrico da sociedade mais ou menos coeso. Chamar-lhes “pequenas” pode não ser simpático, até porque sem elas seria impossível manter o ritmo acelerado da nossa civilização moderna, mas a verdade é que nem todos conseguem inscrever o seu nome na eternidade. Para isso, é necessário fazer algo significativo, diferente, grande ou revolucionador.

Durante a Reforma Protestante, Lutero deu-nos uma nova visão da vida. Através da sua revolta contra Roma, deu início a toda uma nova forma de viver. O trabalho adquiriu mais significado que nunca aos olhos de Deus e as pessoas tornaram-se mais preocupadas com as suas contribuições para a sociedade, ainda que as motivações egoístas fossem o verdadeiro motor desta súbita vontade de dar mais. Já nada era garantido e apenas através de trabalho árduo lhes seria concedida a salvação. O trabalho também foi sempre algo vivamente presente no Cristianismo. Fazer a diferença, não ser um mero espectador neste mundo, ajudar quem precisa. Afinal, se ajudarmos o próximo, independentemente das nossas crenças ou convicções, já não seremos meros membros de uma plateia que assiste paralisada a tudo o que de mal se passa no mundo. Interessar-se e subir ao palco é o primeiro passo para abandonar a indiferença, para nos libertarmos do papel de simples espectadores e passarmos a protagonistas. Para isso não precisamos de qualquer religião, apenas de vontade, vontade de fazer algo por alguém, mesmo que não nos garanta um nome nas páginas do século XXI.

A verdade é que aqueles que se contentam com o espetáculo do mundo são os mais pobres de todos, pois perdem a maior oportunidade que a vida nos deu: poder fazer a diferença e dar o nosso contributo ao mundo, por mais pequeno que seja. Não agir não deve ser opção nos dias de hoje e são o desinteresse e ociosidade de muitos, aliados à ganância de outros, que contribuem para um mundo cada vez mais barricado em ódio, desigualdades, sofrimento e perda. Todos nascem com o direito de serem espectadores do mundo, de o poderem apreciar no seu todo e viver uma vida digna. Contudo, para que isto aconteça, é preciso que todos nós abandonemos as nossas cadeiras na plateia.

 

Artigo da autoria de Afonso Morango

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