Artigo de Opinião

Brasil: o país (des)afinado

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Se me dissessem, há uns anos, que o país que outrora esculpiu na nossa memória os encantos do tropicalismo se tornaria numa monumental nação à beira da rutura, não acreditaria. Não porque não fosse realizável, mas por achar que o destino deste paraíso tão distante de mim se concretizava já numa das democracias mais sólidas do continente. O Brasil é um “pequeno” mundo à parte. Para além da sua extensa área geográfica, ele inspira pela forma como encara diariamente uma multiplicidade de culturas, modos de vida, tradições e, sobretudo, pela sua capacidade de se conservar na História como um Estado sul-americano cuja soberania se executa sem grandes constrangimentos.

As suas origens remontam a um passado doloroso, física e espiritualmente, que permanece no nosso imaginário, ainda que muitas vezes ofuscado pelos seus sucessos num período mais recente. Desde cedo somos orientados, quer no panorama escolar, quer no enaltecimento geral feito ao capítulo das descobertas até pelos mais leigos, a conhecer o passado de Portugal enquanto Estado colonizador, fortemente influenciado por tendências de cariz nacionalista, imperialista e expansionista. Para alguns, motivo de orgulho e regozijo; para outros, apenas mais um extenso e malogrado episódio do que foi o passado colonial de Portugal.

Atendendo aos factos, quase nenhum país cuja história de vida se edifique em torno de regimes autoritários e antidemocráticos, consegue livrar-se facilmente das amarras de centenas de anos de opressão, intolerância e tirania. O Brasil, portanto, não é exceção. A sua mutabilidade no que toca a formas de governo é ilustrativa da sua adaptação tardia à democracia. Os tempos da República não foram tão prósperos como seria de esperar, apesar de ter sido decretado o fim do período imperial. Ao invés de dias mais claros, mergulha-se num aparatoso palco de conflitos, cuja essência se irá materializar na ascensão ao poder de Getúlio Vargas, de personalidade vincadamente autoritária.

Muitas das convulsões políticas ocorridas no Brasil deixam transparecer a ideia de que é um país socialmente agitado e com desigualdades profundamente enraizadas, mas com uma economia potencialmente inovadora, ainda que com limitações a nível de uma gestão eficaz por parte dos sucessivos governos que têm vindo a ser detentores do poder. Atualmente, parece-me que estamos a assistir novamente a um abalo prolongado das instituições democráticas que compõem o Estado.

A eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, clarificou as tendências conservadoras do seu eleitorado, bem como a manipulação gratuita de que foram alvo durante a sua campanha. Grande parte do povo brasileiro escorregou na casca da banana: a comovente permeabilidade às ideias absurdas de Bolsonaro culminou numa política desgovernada, sem princípios nem ética, carente de sentido humanitário e justiça. A radicalização do seu discurso não passa despercebida. Face à pandemia que enfrentamos, Bolsonaro ditou a sentença de morte do Brasil e de milhões de pessoas, desprezando idioticamente a gravidade da situação, recorrendo ao seu negacionismo bárbaro.

Em 2022, os brasileiros vão às urnas. Pode ser uma boa oportunidade para demonstrarem que o seu nível de racionalismo está mais apurado, bem como para alertar as nações vizinhas sobre o perigo que as atuais democracias enfrentam por todo o mundo. A anulação da condenação de Lula da Silva, no âmbito do longo e demorado processo Lava Jato, atribui-lhe direitos políticos e volta a ter capacidade para se recandidatar, se assim o entender. No entender de alguns, será certamente uma luz ao fundo do túnel, um aceno ainda distante do que poderá vir a ser a renovação e a reforma do Brasil, o eterno país de Tom Jobim onde “no peito dos desafinados, também bate um coração”.

 

Artigo da autoria de Patrícia Freitas

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