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Artigo de Opinião

O Paradoxo do Armamento Nuclear

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O governo britânico de Boris Johnson anunciou em março que pretende expandir a capacidade nuclear do Reino Unido, com o aumento do limite máximo previsto de ogivas nucleares. Logo choveram críticas, inclusive do governo da Escócia, país da União britânica que abriga parte substancial do seu armamento nuclear, entre acusações de militarismo e de pôr em causa o esforço pela paz mundial.

Claro que também pensei: “Espera aí! Milhões passam fome, não só no mundo, mas no próprio Reino Unido; milhares de jovens não têm trabalho, não conseguem comprar ou alugar uma casa porque os preços são desgraçadamente especulativos; há uma pandemia global em curso; e o Boris quer aumentar as suas armas nucleares?” Mas, depois pensei melhor. Embora pareça estranho (até mesmo ridículo) que esta seja uma preocupação (ainda para mais, 30 anos depois do fim da Guerra Fria) em plena pandemia da COVID-19, a posição dos britânicos não será assim tão descabida quanto aparenta ser. Vamos a isto.

Embora a Guerra Fria do Século XX tenha acabado em 1989, estamos perante o início de uma nova guerra fria, mas desta vez entre o Ocidente (a saber, EUA, UK e UE ou NATO) e a República Popular da China (RPC). Sem querer ser alarmista, estamos hoje muito mais próximos de uma guerra mundial do que há 30 anos; em 2020, ano de pandemia, o gasto em armamento aumentou de forma gigante a nível global (a culpa é generalizada, sendo que grande parte dos países mais ricos aumentou os seus gastos militares). Isto lembra-me o início do Século XX e dos anos que precederam a I Grande Guerra: o aumento dos gastos em armamento por parte das grandes potências europeias; as tensões fronteiriças na Europa e nas colónias em África; a necessidade de “ajustar contas” com o passado; um verdadeiro clima de “paz armada”. Só que desta vez entre EUA e seus aliados (UK, UE, Japão, Austrália) e a China.

A China tem levado a cabo perigosas atitudes militaristas no Mar da China (águas disputadas), ao construir ilhas artificiais para servir como bases militares e ao fazer patrulhas e violações de águas estrangeiras. Além disto, a sua atitude para com Taiwan (ou República da China), é cada vez mais indicativa de uma iminente (e já temida pela Casa Branca) invasão e ocupação militar da ilha Formosa; a “desdemocratização” de Hong Kong (e a sua assimilação ao sistema autoritário chinês) que tem criado graves crises diplomáticas entre Pequim e Londres.

A China também tem entrado em choque com os EUA (a famosa guerra comercial), com o Canadá entre suspeitas de espionagem através de empresas como a Huawei; a juntar a isto, vemos cada vez mais um discurso imperialista do presidente chinês e que já se materializa em África, e a nova Rota da Seda (para não falar em vacinas); a deslocação e reeducação dos uigures em Xinjiang (violações dos Direitos Humanos em geral, também);  e, claro, o cujo dito vírus. Ainda podia falar de minarem a Democracia ocidental e diluírem, nos últimos anos (e com a ajuda involuntária da Administração Trump), a atenção dada aos Direitos Humanos e à luta pelo seu respeito, bem como os programas de desenvolvimento global em prol dos mesmos, para que ninguém os acuse disso, preferindo o mundo falar de tweets.

Ao mesmo tempo, a Rússia faz das suas (aparentemente com recurso a eficazes e sofisticadas técnicas de desinformação e ciberespionagem); o Irão voltou a enriquecer urânio sem limites (após  Trump decidir romper o histórico Acordo Nuclear assinado por Obama); a Coreia do Norte organiza os seus espetáculos de fogo de artifício; Myanmar voltou a ser uma ditadura a 100% (aqui, é possível que a China também esteja envolvida). No meio disto tudo, a ONU e o seu maravilhoso Conselho de Segurança nada conseguem fazer por causa de algo chamado “membros permanentes” (assunto que daria discussão para um outro artigo).

Todas estas realidades juntas estão a levar o mundo para uma inevitável guerra de grande escala, uma nova luta pela liberdade (como em 39/45) e, voltando ao início, o Reino Unido não está a tomar uma atitude militarista ou que põe em causa a paz; está, sim, (e para todos os efeitos, bem) a preparar-se para essa guerra, para reimpor a paz e protegê-la, bem como à Democracia. Estes regimes autoritários não falam a mesma língua que nós, a língua da paz, dos Direitos Humanos, da Democracia; apenas entenderão a língua da guerra e da destruição, como aconteceu com Hitler.

 

 Artigo da autoria de Pedro André Pinheiro