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Artigo de Opinião

Economia do cansaço

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Em 1934, Álvaro de Campos escreve, com aguçada sensatez, o verso “O que há em mim é sobretudo cansaço”que integra uma das mais notáveis composições poéticas do heterónimo futurista pessoano. Poderíamos, de facto, classificá-la – ainda que todos os adjetivos para o fazer sejam exíguos, dada a mestria aqui em causa – como intemporal. Todas as sociedades, desde as pequenas comunidades primitivas em que um chefe encabeçava uma tribo de meia dúzia de pessoas, até ao nível de organização social contemporâneo, experimentaram a sensação universal de estar cansado.

Dentro do incontável número de dias que cada um de nós arrasta pela mão, não é exequível escrutinar cada um deles ao pormenor, tendo por base indicadores que os caracterizem em função de determinados parâmetros. A verdade é que nem nos apercebemos da celeridade com que as horas marcam o ritmo dos nossos passos, pelo que aproveito para relembrar os leitores e as leitoras da expressão que mais ouço desde que me lembro: “Nem dei pelo tempo a passar”. O cansaço demora-se nas nossas agendas e parece que não existe antídoto eficaz para nos salvar das suas garras.

Regressando ao poema de Álvaro de Campos, as causas deste cansaço encontram o seu fundamento na crise existencial que constitui uma das particularidades temáticas da poesia pessoana. É, portanto, um acontecimento da esfera individual do sujeito poético que, em virtude de uma perceção coletiva, pode ser transferido para a nossa própria interpretação de forma a que nos encontremos algures num daqueles versos. Evidentemente, o desabafo deste poeta não é inédito. O que o torna tão egrégio é a sua adaptação a todos os tempos, ao meu e ao vosso, mas também ao dos nossos pais, ao dos nossos avós, ao dos nossos remotos antepassados.

Finda a referência à dimensão poética do cansaço, é evidente que a sua aplicabilidade pode ajustar-se às exigências da dinâmica social moderna. Os interesses da sociedade decorrem da necessidade de trabalhar para obter propriedade, ou seja, para satisfazer os desejos materiais da alma. Trabalha-se para ter. Seria de esperar, por isso, que atingíssemos algum nível de saciedade quando já tivéssemos coisas suficientes. Até hoje (mundo pré-Covid), já estávamos habituados a ouvir que os níveis de stress da população excediam o considerado patamar aceitável, portanto não será absurdo o prognóstico sobre o futuro das nossas rotinas cada vez mais desgastantes com o passar do tempo.

Esta visão decadentista tem as suas razões estreitamente ligadas à atividade económica, indispensável ao nosso sucesso enquanto membros de um determinado grupo social. A competitividade alicia-nos a ser melhores que os outros, a possuir uma maior quantidade de coisas palpáveis que, de preferência, nos imprimam uma imagem de vitória e conquista.

No seu livro A Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han adota uma postura muito crítica e concisa sobre este fenómeno que, na sua opinião, está a devastar todo o ocidente capitalista. É talvez um dos trabalhos mais frutíferos no campo da filosofia dos nossos dias, onde se exploram conceitos que, em consequência do nosso alheamento, nos passam despercebidos. Desde a individualidade até à necessidade de reconhecimento social, passando pela nova abordagem do positivismo que desagua numa conduta em que o ser humano é, simultaneamente, culpado e vítima da sua própria exploração física e mental.

Resta saber, nunca esquecendo a nova configuração do mundo pós-pandemia, como é que se vai estruturar o comportamento das pessoas, depois de um período em que muitos de nós atingiram ou ainda vão atingir um ponto de saturação cujas repercussões se manterão por muitos anos. Questiono-me se uma renovada consciência coletiva vai derrogar o modus operandi que impera na gestão dos nossos recursos, enquanto seres humanos e não máquinas, arquitetando assim uma nova sustentabilidade do cansaço.

 

Artigo da autoria de Patrícia Freitas