Devaneios
Um triste reflexo das florestas portuguesas
A pandemia, entre muitas outras coisas, fez-me descobrir melhor o meu concelho e todos os seus cantos. Já perdi a conta às caminhadas que fiz, principalmente pelas florestas mais próximas de minha casa. É nestes momentos que posso estar mais perto da “normalidade” antes da Covid-19 e que não preciso de me preocupar tanto com o ar que respiro. Podia ser assim, não é? Mas, muitas vezes, isso não acontece.
Infelizmente, percebi que as nossas supostas zonas verdes estão muitas vezes pintadas com uma cor de desalento, espelhando a dura realidade da inconsciência do homem. O cheiro a eucalipto dava lugar a um aroma metálico nauseabundo. Lixo, lixo e mais lixo era aquilo que eu via a impedir a minha passagem em vários caminhos pelo meio da mata.
Mais do que nunca, é na natureza que conseguimos arranjar um escape para o sufoco do dia a dia. As florestas têm um potencial tremendo nos dias de hoje para os nossos passeios higiénicos, mas também, quem sabe, futuramente, poderão servir para descentralizar o turismo massificado nos centros das cidades, tornando-o mais sustentável. Existe um número infindável de oportunidades que as matas nos proporcionam, mas que simplesmente não aproveitamos, nem fazemos um esforço para perceber.
Durante os meus passeios higiénicos encontrei desde cerâmica de casa de banho a fio elétricos, vasos, cascalho, plásticos (imensos), sofás, espelhos, entre outras coisas inimagináveis. Aqueles locais, que podiam ser bastante agradáveis, viraram uma lixeira a céu aberto porque alguém achou ser razoável depositar o que já não quer no meio da mata.
Hoje em dia existem ecocentros e programas camarários que permitem a uma pessoa desfazer-se desses resíduos de maiores dimensões sem causar danos para o ambiente. O tema da sustentabilidade está sempre na ordem do dia, por isso não há desculpa para poluir e, mais grave ainda, fazê-lo de forma consciente.
Temos uma vegetação tão rica pelo país fora, mas não lhe damos o devido valor, tratamo-la vilmente ao invés de a preservar. O aspeto decadente que damos às nossas florestas também diz muito sobre nós enquanto nação. É isto que queremos mostrar aos turistas estrangeiros quando voltarem a Portugal? É isto que querem que fique no nosso cartão de visita?
É necessário, indubitavelmente, mudar a forma como encaramos as nossas florestas e tratá-las com o cuidado que merecem. Este esforço deve partir, em primeiro lugar, de todos os portugueses, mas também é importante que órgãos de governação locais desenvolvam políticas para erradicar estes casos de lixeiras a céu aberto e valorizem os seus espaços verdes, que muito podem dar ao turismo também – tal como vimos com os confinamentos.
O turismo concentra-se bastante nos centros das cidades porque não existem sequer outras opções com valor turístico para explorar. Se olhássemos para o imenso potencial das nossas florestas, poderíamos inverter isso. No nosso país, que tem o interior a ficar às moscas, esta aposta podia ter um peso brutal para fixar a população e atrair novas pessoas.
Se as florestas pudessem escrever, estariam hoje a apontar no seu diário mais histórias de atrocidades que fazemos com elas, no entanto, não deixariam de escrever romances com um final bem-afortunado. Hoje estamos num ponto crítico da história, mas temos o poder de a mudar e dar-lhe um rumo para a prosperidade. Basta apenas encarar de outra forma as nossas zonas verdes. Se o fizermos, teremos certamente florestas com um reflexo mais feliz.
Artigo da autoria de André D’Almeida