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Opinião

Liberdade ou Privilégio?

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A ideia de que somos inteiramente livres não passa, na realidade, de uma mera sensação. Um pensamento que voa livre no íntimo de um corpo por vezes aprisionado.

A vida é como que uma narrativa, um livro solto atulhado de folhas em branco onde tudo é irregular e travesso. Umas mais vagas e turvas, outras mais rabiscadas e atufadas de cor, página a página vão contando a nossa história. Mas, será o seu rumo fruto das nossas escolhas, ou estará ele já decretado pela nossa sociedade?

Uma verdadeira crónica de terror, é como ouso expor a discriminação. Reconhecemos não compreender qualquer poder de decisão sob a nossa nacionalidade, género, tom de pele e ainda orientação sexual, contudo, são estas meras minuciosidades que, ainda que impossíveis de inverter, ditam o quão livres somos.

O preconceito, oriundo da rejeição com o “diferente”, perde-se na doentia teimosia em impor e mudar essências, sobrepondo-se ao dever de aceitação e respeito incumbido a todos aqueles que se assumem como seres igualitários. Ingénuos e inseridos nesta bolha de privilégio, muitos são aqueles que defendem o conceito de liberdade ofuscando a igualdade sem instituir qualquer tipo de relação entre ambas, como se, em verdade, a primeira resistisse sem o sustento da segunda.

Seremos, portanto, livres ou apenas privilegiados? Desde tenra idade que nos fazem crer na fantasia de que todos portamos os mesmos direitos, porém, liberam que a sorte cedida ao acaso pelo meio do nascimento fale mais alto, cedendo espaço para a xenofobia, homofobia, racismo e desigualdade de género.

Falo do George Floyd, vítima da perturbação que tão somente o seu tom de pele desperta. Do ucraniano e imigrante Ihor Homeniuk, torturado às mãos de três inspetores do SEF. Da Mariana Ferrer, violada e humilhada pela ascensão do machismo. E dos jovens rapazes Mahmoud  Asgari e Ayaz Marhoni, publicamente enforcados pelo peso que amar alguém do mesmo sexo acarreta.

Ao reflexo de muitos, nos dias que correm, todos os nomes mencionados são vítimas do espalhamento de uma grave doença. De seu nome desigualdade – a que prioriza o amedrontamento e intimidação constante, anulando a liberdade que qualquer um julga ter.

No fundo, ser-se livre é uma incessante luta em prol da igualdade social e uma obra em constante construção. Podemos sonhar com um mundo livre de violência e opressão no qual todos gozamos das mesmas oportunidades, um mundo justo sem espaço para a discriminação, um mundo onde ninguém sairá punido por se expressar livremente sem qualquer interferência de receios e preconceitos. E este sonho, ainda que longínquo, está lá. Falta tão somente juntarmo-nos à luta e  torná-lo real.

 

Artigo da autoria de Sara Terroso