Artigo de Opinião
Irão, Israel e Biden no meio
Será o conceito de “paz” uma realidade? Ou uma ambição pela qual nos guiamos, mas que sabemos não ser atingível? O que significa “paz” de um ponto de vista internacional? A ausência de guerra? A realidade internacional é complexa, os seus atores são múltiplos e as diferenças acentuadas. Cada Estado é soberano, independente dos restantes e dono de si próprio e das suas decisões, mas o Estado não existe isolado e os murmúrios segredados do outro lado do oceano ecoam pelo espaço e ameaçam fronteiras. Vivemos dependentes da ação do outro. Num mundo de interesses, a regra parece ser “estás comigo ou contra mim”. E a confiança desconfia mesmo daquele que fica do nosso lado. Somos mundo, mas antes somos Estados, individuais e até prova em contrário o amigo é inimigo.
A crise iraniana não é de agora. Os olhares de desconfiança e os dedos apontados começaram antes, muito antes. O poder nuclear do Irão está a crescer? Não pode. Não pode ser maior que o nosso. A hierarquia internacional deve ser cumprida e é quase senso comum que armas correspondem a Poder num mundo que vê alvos antes de ver pessoas. E, assim, surgem as inseguranças, esses segundos olhares de suspeita, a descrença em todas as palavras que garantem que os fins do enriquecimento de urânio e a pesquisa nuclear iraniana são inteiramente “pacíficas”. Pacífico é um termo muito relativo neste meio.
Equilibrado numa corda enquanto faz malabarismo, o mundo vai tentando balançar as sensíveis políticas internacionais, mas a queda é alta e as bolas do malabarista são muitas. Biden quer retornar ao acordo nuclear assinado em 2015 que dá aos Estados uma frágil segurança de controlo sobre os avanços nucleares iranianos, uma certeza nas incertezas. Mas o Irão exige ver primeiro avanços dos EUA. A velha história do “tu primeiro” repete-se. O eterno receio de quem avança sem saber. Do outro lado, Biden, é quem mantém no ar mais bolas. Israel, eterno inimigo do Irão, vê no acordo de Viena uma ameaça ao seu país, uma carta branca ao Irão, para que possam desenvolver, em segredo, todas as armas nucleares que desejarem, o que, segundo Israel, terá acontecido após 2015. Também em jogo estão as eleições do Irão a acontecer em junho. Com a profunda crise económica desencadeada pelas sanções de Trump ao país, grupos da linha dura iraniana têm vindo a ganhar popularidade enquanto candidatos. O atual presidente vê, contrariamente, as suas avaliações cair. Biden reconhece o impacto que as eleições iranianas podem ter no próprio status quo mundial, nomeadamente a nível do acordo nuclear. Será solução ceder? É um jogo de interesses em que nem todos podem ganhar.
A pressão israelita é, no entanto, puramente simbólica. O seu impacto é conseguido, mas os efeitos são mínimos. Ou não serão? Desde o assassinato de Mohan Fakhrizadeh, principal diretor do programa nuclear e membro dos Guardas Revolucionários, aos recentes ataques a navios iranianos, Israel está a escrever a sua mensagem: “estamos atentos e preparados para responder”. De facto, as consequências destes atos no programa nuclear em si não são relevantes, não impedem o seu avanço, mas o medo instala-se. A tal falada desconfiança e tensão que parece definir os formatos do mundo atual. Israel mandou uma mensagem direta ao Irão e subentendida aos Estados Unidos, “não cometam o mesmo erro de 2015”.
Até que ponto, contudo, fará esta estratégia sentido? A eficácia da sua espionagem está provada e o Irão reconhece-a, mas porquê tentar impedir a renovação do acordo? Israel acredita que o Irão nunca irá cumprir com a sua palavra, apenas usá-la para distrair os observadores internacionais dos seus planos. E se tal fosse verdade? Não iria o acordo, inevitavelmente, desacelerar este processo que teria de acontecer, nessas circunstâncias, sem o conhecimento dos restantes Estados e da própria IAEA (International Atomic Energy Agency)? E não teria Israel os meios para continuar a espionagem que tem levado a cabo durante tantos anos e inclusive, informar os restantes atores em caso de incumprimento do acordo? É certo que estes atenderiam às suas acusações porque, como sabemos, onde existem armas ou até a possibilidade de armas existe Poder e isso é que não pode ser.