Artigo de Opinião
Para quê normalizar um ensino à distância sem condições?
Com a chegada da terceira vaga da COVID-19 a Portugal, todas as instituições de ensino foram forçadas a lecionar à distância, desde janeiro. E, agora que volta a ser permitido o ensino presencial, há instituições e educadores que preferem continuar o ensino à distância e retardar o regresso às salas de aula. Este regime online pode agradar a uns, desagradar a outros, mas definitivamente não constitui, nas circunstâncias atuais, um método justo, de qualidade e igual para todos.
Apesar de não ter sido a primeira vez que o ensino à distância foi obrigatório, visto que já foi implementado no primeiro confinamento, em março de 2020, continua a levantar vários problemas. Um ano depois, revelamos não ter aprendido nada com o passado nem nos termos adaptado devidamente.
Perante a possibilidade de regressar ao regime de aulas online, no ano passado, no final do primeiro confinamento, foram sugeridas ao governo medidas para preparar o seguinte ano letivo de 2020/2021. As propostas passavam por reduzir o número de alunos por turma, aumentar o número de professores proporcionalmente, criar turnos duplos de manhã e tarde de em todas as escolas, fazer testes à covid-19, reforçar os transportes públicos, entre outras. O governo decidiu ignorar todas estas propostas. A única razão que encontro para o ter feito é considerar que nenhuma seria eficaz no combate ao vírus. Mas é mais eficaz mandar os alunos em carruagens de metro e autocarros a abarrotar e mantê-los nas mesmas turmas durante quatro meses para depois os mandar novamente para casa sem um ensino à distância devidamente planeado?
Ensino à distância não é natural. Desengane-se quem diz o contrário. Pode haver estudantes contentes com as notas mais fáceis de alcançar em testes online de consulta ou com trabalhos, mas na generalidade a verdade é que os estudantes estão a aprender menos.
Se até em matérias apenas teóricas se nota a diferença entre estar em casa ou estar numa sala de aula onde a comunicação verbal e não verbal entre professor e alunos é significativamente melhor, em cursos maioritariamente práticos nem se fala. Ninguém quer, no futuro, ser conhecido como o profissional que se formou durante a famosa pandemia da covid-19. Serão colocadas em causa as suas aprendizagens práticas, sobretudo em profissões maioritariamente práticas, como medicina, artes ou jornalismo.
Esta é uma situação excecional que deve ser implementada apenas em situações extraordinárias e depois de terem sido feitos todos os possíveis para que seja evitada, ou seja, para manter o ensino presencial com a máxima segurança possível. Ora, não foram feitos todos os possíveis. E continuam a não ser feitos… Porque tentamos normalizar um ensino à distância sem condições em vez de tentar voltar o mais rápido possível à verdadeira normalidade?
Vivemos tempos em que estamos demasiado sujeitos a instabilidade e desigualdade. A educação é uma arma poderosa da democracia e de combate à injustiça. Não pode ser subvalorizada neste momento. Os Pink Floyd cantaram “Hey teacher, leave the kids alone” em protesto contra o sistema educacional, numa canção que conta a história de alguém que se isolava através de um muro em que cada injustiça ou tragédia era “another brick in the wall”. Agora cada estudante é apenas “another window on Zoom”. Isto quando as aulas são no Zoom, e os professores não se lembram de complicar ainda mais a situação, optando cada um por plataformas diferentes como Discords e Teams.
O ensino online vem acentuar as desigualdades entre os estudantes. Existem alunos com menos acesso a materiais de estudo. Existem alunos com menos condições para assistir a aulas num ambiente adequado em casa. Existem alunos com dificuldades de acesso à internet. Existem estudantes deslocados que pagam renda numa cidade em que nem necessitam de estar sem saber quando vão necessitar de estar, se compensa correr o risco de ficar sem casa ou continuar a pagar renda inutilmente.
Para além das desigualdades e da pior qualidade do ensino, sobram as óbvias consequências na saúde mental dos alunos. Fazer tudo em casa dependente de máquinas tira-nos a perceção de estar a lidar com seres humanos. É uma situação necessária, mas até um certo ponto. A partir desse ponto, começa a ser absurdo sujeitar os estudantes a tantos efeitos negativos.