Opinião

A miséria de um velho não interessa a ninguém

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A frase de Victor Hugo (1802-1885) revela um país que se encontra entre os países mais envelhecidos da Europa e do mundo, um fenómeno que, em linha com o despovoamento intenso da zona interior, antecipa um futuro assustador. Em Portugal, os velhos são encarados como uma responsabilidade, mas nunca como prioridade, ignorando continuamente as suas necessidades e colocando-os à mercê de instituições, muitas vezes ilegais e que, como a pandemia veio desvendar, não possuem as condições basilares para que lhes seja permitida a vida com dignidade, um direito que é de todos nós, cidadãos, independentemente da faixa etária. 

Existe uma forte ligação entre as zonas mais envelhecidas e as zonas mais despovoadas, como é o caso do Alentejo, que lidera ao nível nacional em ambos os fenómenos. Nestas zonas em particular, os idosos revelam fortes níveis de solidão, e os dias demoram a passar. Descrevem o seu quotidiano numa métrica de saudade, recordando a inquietude e vitalidade que outrora cabia às ruas que vêm, agora, desertas.

Com a contínua redução da atividade social propiciada pela saída dos jovens das regiões interiores, um movimento que, de forma cíclica, faz com que seja também reduzida a atividade económica e, portanto, estimula o êxodo rural, quem fica é condenado a uma vida de solitude. Sabendo que, apesar dos significativos avanços na área da saúde, os velhos são ainda uma parcela da população sobre a qual as doenças recaem com particular incidência, como é o caso da perda da visão e audição. Os próprios meios tecnológicos tornam-se ineficazes na companhia ao idoso, que fica entregue a si mesmo, num destino marcado pela perda, exílio e esquecimento.

Como tratamos os nossos velhos?

A velocidade e turbulência que marcam as grandes cidades e as exigências profissionais em que incorre a classe trabalhadora fazem com que estes não tenham outra escolha senão deixar os seus idosos ao encargo de instituições. Por apresentarem comumente doenças de diversos tipos, acabam por ser entendidos como fonte de dependência, representando um conjunto de custos económicos e sociais aos quais as famílias não têm capacidade de resposta. 

Embora sejam do conhecimento comum as dificuldades que os idosos portugueses atravessam diariamente e existam já projetos que procuram combater estes mesmos desafios, e, particularmente, a solidão, nos últimos anos estes cidadãos depararam-se com um obstáculo particularmente laborioso, o confinamento provocado pela pandemia global.  Neste sentido, aqueles que outrora dependiam da visita de familiares às instituições em que residem, de um mero passeio no parque ou de algo tão trivial como o processo de realização das compras no supermercado para combater a solidão enfrentam agora um novo obstáculo e, por serem uma população particularmente sensível ao Sars-cov-2, reduzem-se aos seus agregados e às suas casas, quantas delas vazias, num interminável período de medo e insegurança.

Existe, contudo, um fator que é importante não esquecer e que recai sobre a forma como este acompanhamento se dá. Em diversas instituições, sejam centros de dias, sejam lares, são preparadas, para estes idosos, atividades que poderiam de igual modo estar a decorrer num jardim de infância. Projetos que, ainda que indiretamente, retiram a qualidade de vida ao idoso, porque o enquadram num cenário de incapacidade e não são trabalhados os seus pontos de interesse nem estimulada a sua atividade intelectual e, poucas vezes até, a social. A mensagem final que nos fica é a de Cesare Pavese, célebre poeta italiano, quando nos diz que mais triste do que envelhecer é, efetivamente, permanecer criança.

Brancas são as barbas de um país em que a condição de velho, ainda que dominante, é sinónimo de solidão, abandono e miséria. Mas enquanto em Portugal for continuamente negada à população idosa a vivência em sociedade de forma digna e segura para a qual estes contribuíram financeiramente e socialmente ao longo das suas duras vidas, enquanto o país não contar com fiscalização adequada e o romper com os direitos humanos for negligenciado, este povo será condenado ao silêncio, à perda e às paredes em que a sociedade as confina.

Em Portugal, os velhos continuam à espera que o telefone toque, o bater ecoe na madeira das suas portas, a voz de um familiar os embale e, um dia, o abraço da morte os acolha. A velhice é um fado que nos cabe a todos, mas, enquanto sociedade, continuamos ainda inabilitados para a mesma porque, em Portugal, a miséria de um velho não interessa a ninguém.

Texto de Carina Seabra. Editado por Laís França.

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